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Lendo e escrevendo

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Ruanda, como foi possível?

07.04.19, Almerinda

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Lembro aqui o Ruanda porque faz hoje precisamente 25 anos que se iniciou o genocídio. Entre 800 mil e um milhão de tutsis foram mortos pelos hutus, ou seja, estima-se que 70% da população tutsi foi dizimada.

A rivalidade entre hutus e tutsis era real e as condições objectivas vieram a ser cozinhadas ao longo de décadas, não só como reflexo do passado colonial belga, mas pelas políticas de desigualdade que cavaram fundo diferenças sociais que criaram o ódio entre as duas etnias. O discurso do ódio foi o instrumento que potenciou que a morte saísse à rua ao longo de três meses, sem que a chamada comunidade internacional interviesse ou fizesse parar uma das situações mais macabras que poderão ter ocorrido nos últimos anos, em que familiares, vizinhos e amigos deixaram de o ser e passaram a olhar-se como inimigos e alvos a matar. A regra foi matar tudo o que fosse tutsi, mas houve também casos de genuína humanidade e de coragem que se opôs a esta barbárie extrema. Vale a pena ver o excelente filme Hotel Ruanda.

Em Dezembro de 2004 estive em Kigali, dez anos depois do genocídio. A Marcha Mundial das Mulheres escolheu esse país de África para aí fazer a sua V Reunião Internacional e participei nesse encontro integrada na delegação da coordenação portuguesa para discutir e aprovar a Carta Mundial das Mulheres para a Humanidade. Em solidariedade com as mulheres ruandesas e de outros países vizinhos, assolados por guerras e conflitos onde as mulheres e as crianças eram das principais vítimas.

Desde então, pessoalmente, o genocídio do Ruanda passou a ter um significado maior, não só por ter estado naquele território, mas por ter contactado directamente pessoas (mulheres) marcadas pelo conflito. Conheci as ruandesas da Marcha que organizaram e participaram no Encontro; visitei associações apostadas em reconstruir as vidas de mulheres que ficaram emocionalmente mutiladas e destruídas pelas mortes dos seus entes queridos; visitei associações que trabalham os direitos das mulheres e que estão envolvidas no processo de reconciliação e de reconstrução do país a partir dos escombros do genocídio; visitei o Memorial do Genocídio. Um murro no estômago. Quando se sai depois de ver fotografias de crianças, peças de vestuário, brinquedos e objectos abruptamente largados, sons captados, frases, crânios e ossadas... temos de nos sentar e esperar que as pernas deixem de tremer. Impossível esquecer. Impossível ficar indiferente. Impossível sair igual ao que éramos quando entrámos.

Quando em 2004 o processo de reconciliação já estava em curso e nos parecia impossível haver perdão para tanta maldade, a verdade é que aquele povo martirizado percebeu que só se poderiam reerguer se encetassem um profundo trabalho de reconciliação. As mulheres tiveram nisto um papel fundamental e hoje elas desempenham tarefas e ocupam cargos políticos de grande relevância, sendo que o parlamento do Ruanda é dos mais paritários em todo o mundo. O povo ruandês percebeu que as etnias foram um factor decisivo no genocídio e por isso têm-se desenvolvido políticas de igualdade entre os cidadãos e retirou-se do discurso público referências às etnias geradoras de discriminações e ódios. Tanto trabalho feito. Tanto que ainda há por fazer, estou convencida.

Fico feliz por saber que o Ruanda continua a lutar para que aquele fatídico 7 de Abril de 1994 não mais se repita. Confio na maturidade daquele povo que aprendeu da pior maneira o que é o ódio entre as pessoas e que luta no dia a dia para que a paz seja duradoura.

Antes de 2004, ano em que pela primeira vez fui ao continente africano e a Kigali, o Ruanda era um país onde tinha acontecido um genocídio de que me lembrava por fotografias e notícias nos jornais. E o país onde foi rodado um filme maravilhoso - Gorilas na Bruma - que vi várias vezes. Não há como ter a possibilidade de conhecer os sítios ou viver as situações, para que elas passem a fazer parte da nossa pele e do nosso coração. Hoje não poderia deixar de lembrar Kigali e as pessoas que conheci durante os dias em que lá estive há 15 anos.

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