Retrato de Corpo e Alma, Luís Alpico
“Retrato de Corpo e Alma”, Luís Alpico, 2023
“Retrato de Corpo e Alma” (Momentos da Vida Trasmontana) é um livro constituído por um conjunto de vinte contos escritos por Luís Alpico, tendo a edição sido patrocinada pela Câmara Municipal de Vila Pouca de Aguiar, sendo o autor natural de Tresminas que pertence a esse concelho. De acordo com as palavras do autor, este é um “retrato do ambiente que se respirava no concelho de Vila Pouca de Aguiar nos anos 50, 60 e 70 do século XX.”
O autor usa uma linguagem muito cuidada, empregando um vocabulário rico e diversificado. Os temas são muito diversos e praticamente todos os textos retratam tipos específicos que são nomeados como figuras que desempenharam uma determinada actividade ou função, constituindo memórias que o autor considerou relevantes para trazer para este “Retrato de Corpo e Alma”. Temos pastores, caçadores, mineiros, agricultores, cantoneiros, uma padeira, uma professora e outras profissões, constituindo uma paleta de gente essencialmente pobre ou com bastantes dificuldades económicas. São geralmente personagens com vidas sofridas e muito difíceis de trabalho e privação.
Sendo um livro datado, pois é um retrato de uma época anterior ao 25 de Abril, um dos contos “Empregados ou Patrões”, no entanto, reflecte as mudanças na vida dos mineiros das minas do Campo de Jalles com esta data libertadora, fruto das lutas desses trabalhadores por reivindicações fundamentais, como a luta por horários e ordenados justos, por transportes, banhos e leite. Depois há temas eternos: a solidão, a desertificação, a segregação de quem é frágil ou diferente, os medos que resultam da ignorância, o alcoolismo, entre outros.
Há histórias engraçadas, como aquela em que o nome do rapaz é trocado pelo padrinho no dia em que foi fazer o registo do afilhado e transformou Arnaldo em Raul, ou da viúva que receava que o fantasma do marido a viesse importunar; o drama das crianças que só estudavam até à 4ª classe, porque os pais precisavam delas para trabalhar; ou histórias que mostram a índole torpe de algumas pessoas, nomeadamente como quem tem o poder e a justiça na mão os usa para seu proveito e para subjugar os fracos.
Neste pequeno apanhado não refiro todos os contos do livro de Luís Alpico, mas de entre todos, foi “Em Fecunda Cadeia” aquele que mais apreciei, pois é uma reflexão do autor sobre o poder das memórias e das tradições que permanecem, num mundo que se transforma e que vai perdendo referências.
Agradeço ao professor António Luís este seu trabalho de escrita cuidada e de registo de uma memória que o marcou, assim como a muitos conterrâneos duma geração que vai dando espaço a jovens que não conheceram a realidade aqui descrita.
Outubro 2024
Almerinda Bento