O País do Carnaval, Jorge Amado
“O País do Carnaval ” – Jorge Amado, 1931
Surpreendeu-me que este livro tivesse sido escrito quando Jorge Amado tinha apenas 18 anos. Trata-se do seu primeiro livro e, embora Jorge Amado já estivesse envolvido na vida cultural e política desde os 14 anos, a verdade é que este livro reflecte uma maturidade de alguém mais velho.
O tema central do romance é a busca da finalidade da vida para os amigos com quem Paulo Rigger se relaciona na cidade da Bahia, depois do regresso ao Brasil vindo de Paris para onde o pai o enviara para estudar Direito. Liga-se a um grupo pelo prazer da discussão em tertúlias e em debates em torno da política e dos temas da actualidade, mas é o tema da finalidade da vida aquele que mais os motiva. Esse grupo de homens ainda jovens, no princípio das suas vidas activas, com percursos titubeantes e imprecisos, com personalidades e concepções de vida tão diversas, tem como figura aglutinadora e carismática Pedro Ticiano, um homem mais velho, jornalista ostracizado pelas suas opiniões críticas e contundentes. Será através do amor, ou da religião, ou do trabalho, ou da política, ou da revolução que os homens se completarão e assim atingirão a Felicidade? Ou afinal, a Felicidade é impossível de se atingir e, como diria Pedro Ticiano, só os imbecis e cretinos a alcançam? Num contexto de desilusão por uma revolução que não tirou o Brasil “da beira do abismo”, o sonho de o Brasil vir a ser “o primeiro país do mundo” é cada vez mais uma miragem.
As frases retóricas, as blagues, a fuga ao senso comum ou o romper com o convencionalismo podiam ser proferidos entre amigos e figurar nas lapelas daqueles homens duma certa elite intelectual. Mas a cultura de onde provinham e de que estavam imbuídos não se apagava por um passe de magia. Veja-se o caso do principal personagem Paulo Rigger e da forma como se relaciona com as mulheres, que ele vê afinal como mero objecto do seu desejo impulsivo e cujos direitos e desejos não considera. As mulheres estão catalogadas ou como rameiras, mulheres para o prazer, aquelas que “já não são moças” e daí sem possibilidade de se casarem, ou mulheres virtuosas, essas sim dignas de serem desposadas. Em tudo ele fracassa. Nunca desde o regresso ao Brasil ele conseguiu sentir-se senão um estrangeiro, sem ligação ao seu povo, que ele acha que só está feliz quando e se o governo lhe der apoios para os clubes carnavalescos. “ – País do Carnaval! País do Carnaval! Eu se fosse Presidente ou Ditador, decretaria um Carnaval de 365 dias… Adorar-me-iam…” (pág.100).
A edição deste romance das Publicações Dom Quixote, inserido na colecção Autores Lusófonos, conta com um interessante prefácio de Augusto Frederico Schmidt, que nos ajuda a contextualizar o momento da história do Brasil em que foi escrito.
“ Paulo Rigger, seu personagem, não é um cerebral, não é um filho do ocidente saturado e exasperado de cultura, é apenas um pobre moço brasileiro, como eu, como você, como todos nós.
Nós estamos vivendo o momento do tédio.”…
“Seus personagens estão. E procuram. Não procuram apenas o sentido da pátria, da terra, mas procuram o sentido de si próprios. O país é apenas um ponto de referência. A pátria é sentida porque está ausente. O seu livro é balbuciante ainda, mas é uma obra inicial.”
Por fim, Jorge Amado sentiu necessidade de escrever um pequeno texto que precede o romance, datado de 1930, com o título EXPLICAÇÃO, de onde retiro esta frase significativa: “Este livro é um grito. Quase um pedido de socorro. É toda uma geração insatisfeita que procura a sua finalidade.”
17 de Outubro de 2021