O admirável mundo digital
“O nosso grau de atenção está a diminuir”
A leitura de uma recente entrevista de Bruno Patino, jornalista francês ao Expresso, a propósito do seu livro “A Civilização do Peixe-Vermelho”, foca temas de grande actualidade, nomeadamente a dependência individual e social dos estímulos e solicitações digitais.
O autor identifica as consequências da dependência generalizada dos écrãns e dos smartphones que nos impede de nos concentrarmos numa tarefa sem que a interrompamos constantemente. Isso está a levar a que “o nosso grau de atenção esteja francamente a diminuir”. Tarefas como ler, estudar, falar e mesmo descansar estão a ser fortemente prejudicadas pela invasão sistemática sobre os nossos cérebros dos estímulos e aplicações a que acedemos através do maravilhoso mundo digital omnipresente. Ligados 24 sobre 24 horas, o que é esperado são respostas rápidas, emocionais e superficiais, quantas vezes sem filtro que nos permita verificar se a mensagem é verdadeira ou não está distorcida. As fake news estão a levar populistas e fantoches ao poder!
Bruno Patino chama-lhe “servidão voluntária” e, embora tenha uma perspectiva optimista, acha que já não é possível voltar para trás. Ele acha que não nos devemos concentrar no que é partilhado ou em quem o partilha, mas sim em como se partilha. E é optimista em relação à capacidade de se diminuir a importância dada aos écrãns e de resistir a essa adição.
A questão que coloco é: quem toda a vida viveu rodeado e subjugado por esta tecnologia digital tem capacidade crítica para seleccionar e para fugir à ditadura do algoritmo que o controla, que responde aos seus interesses, que o manipula a seu bel prazer? Falo daquela criança de meses, que deixa de chorar quando o progenitor lhe põe à frente um brinquedo tecnológico que funciona como a velha chupeta. Falo da criança que, no recreio, em vez de aproveitar para correr e saltar, se senta nos degraus da escola para falar por mensagens com o colega da mesma sala. Falo das famílias que, no restaurante, olham para os seus smartphones enquanto não vem a comida. Falo de nós que postamos qualquer coisa nas redes sociais à espera de sermos vistos, comentados e partilhados. Ficamos ansiosos por saber se as nossas mensagens foram vistas e tiveram “likes”, se não estamos sós ou esquecidos neste mundo em que a comunicação é cada vez mais escassa e mediada por uma máquina que é “smart”.
É o admirável mundo novo!