Mãe
“Hoje o dia vai correr bem!” era uma das primeiras frases que lhe ouvia quando lhe telefonava ou ela me telefonava. Praticamente todas as manhãs, não por obrigação, mas como rotina boa, como todas as nossas rotinas sem as quais sentimos que algo está a faltar. Já tinha visto um melro e esse era o sinal de vida que a ajudava a acreditar que era bafejada pela sorte, mesmo com todas as adversidades com que lidava de forma positiva e sem se deixar abater.
No dia em que fiz 70 anos, levantei-me à hora em que sabia iria receber os primeiros parabéns do dia. O prazer que tinha em receber telefonemas no dia do seu aniversário, era também o prazer que tinha na sua relação de amor e amizade generosa com os outros. Eu tinha sido a sua segunda filha e aqueles telefonemas cedo “para acordar a bebé”, faziam-lhe recordar o parto em casa, que não tinha sido fácil, mas para ela mais uma bênção. 70 anos, sem a voz dela, mas sentindo como se ela me estivesse a acompanhar. Fui até à janela sentir o fresco da rua e lá estavam dois melros divertidos sobre a relva, a fazer pela vida. “Hoje o dia vai correr bem!”, não havia dúvidas.
Para além das nossas parecenças físicas, muitas das minhas habilidades herdei-as dela, sem dúvida, excepto o costurar, que detesto. Os gestos dela, seguindo as receitas favoritas ou as antigas dos doces de Natal, estão em mim. O gosto de mimar quem amo aprendi-o com ela. A força para ultrapassar medos, fragilidades, inseguranças, vou buscá-la ao seu sorriso lindo que sempre me inspira quando os dias estão mais cinzentos.
Hoje é o teu dia, Mãe. Foi o meu filho que mo lembrou quando hoje me estendeu um vasinho de alfazema. Ainda não consegui ultrapassar os tempos do 8 de Dezembro, Dia da Mãe. Fazíamos uma festa, então. Fazemos uma festa, hoje. Damos o melhor que temos.
Hoje o dia vai correr bem!
Nota: esta aguarela foi-me oferecida pela Zita e pela Ana no dia dos meus 70 anos, sabendo elas como eu gosto de melros.