Em 2013 estive cerca de um mês no Gilé, Zambézia, Moçambique.
Uma experiência difícil de esquecer. Mulheres guerreiras, trabalhadoras infatigáveis, sofredoras, marcadas pela sua condição de mulheres para serem o sustentáculo da família e da sociedade. Precocemente envelhecidas por gravidezes sucessivas, com jornadas de trabalho imensas e rotineiras marcadas pela tarefa inadiável de ir buscar água ao poço mais próximo... aguardar horas na fila para poder encher o bidon de 20 litros, regressar a casa, voltar à machamba, sujeitas à desconfiança do marido por terem estado tantas horas fora de casa... Já sem contar com a doença, a malária, a má nutrição, a pobreza e mesmo assim, um sorriso nos lábios.
Aquela é outra dimensão das vidas das mulheres, que muitas de nós, europeias, desconhecemos.
Quando se vem de África, e neste caso duma zona aparentemente esquecida pelos governantes - o Gilé fica a 220 kms de Nampula, dos quais 99 em terra batida e a viagem demora cerca de seis horas - vem-se diferente e olha-se para o mundo doutra maneira: relativiza-se, põe-se tudo em perspectiva.
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Conheci mulheres e habitantes de toda a região do distrito do Gilé. A intenção tornar mais fácil a vida daquelas mulheres... Ouvi-as, percebi os seus anseios, admirei-me com a resiliência, senti-me pequenina. Hoje, sinto o desconforto de não se ter tornado o sonho, o direito ao sonho, realidade. Quero acreditar, até para meu conforto (!) que as condições de vida daquelas mulheres tenham melhorado e que tenham sido construídos poços mais próximo das suas casas. Que tenham sido feitas campanhas de educação sexual e que a gravidez precoce seja cada vez menor. Que as escolas e os seus professores, que encontrei paupérrimas e totalmente desapoiados, estejam nas prioridades do governo. Que a doença e a malária tenham diminuído. Que as vias de acesso e a mobilidade sejam uma realidade. Que a Paz seja construída como motor do desenvolvimento do país.
Hoje, a minha afilhada Isabel faz 22 anos. Era uma entre muitas das meninas que conheci na Missão das Irmãs de S. João Baptista e de Maria Rainha. Era do Alto Molocué, tinha 15 anos e andava na 9ª classe. Mas foi o nome dela - Isabel - que fez com que a escolhesse para ser minha afilhada. Para aquelas meninas o viverem na missão era a forma de poderem estudar e escapar a um destino marcado pelo analfabetismo, por uma gravidez precoce e pela doença. O pouquíssimo que podia fazer para a ajudar nos estudos foi tão só o que lhe permitia continuar ou não a estudar! O mundo é tão desigual, tão assustadoramente, escandalosamente desigual!
Recordo estas meninas e pergunto-me: O que será feito delas? Quantas já terão deixado de estudar? Quantas já serão mães?
Quando parti do Gilé e depois voltei a casa, passando por Nampula e Maputo trouxe comigo aquele incrível Monte Gilé, as pessoas no coração e algumas palavras a martelarem-me na cabeça:
Água. Direitos. Desenvolvimento. Autonomia. Democracia. Poder.
Parabéns Isabel, Menina, Mulher Moçambicana.