Fahrenheit 451, Ray Bradbury
“Fahrenheit 451”, Ray Bradbury, 1953
Vi o filme “Fahrenheit 451” duas ou três vezes. Como será o livro? Tão impressionante como foi o filme quando o vi? Estas algumas das perguntas que formulei mal comecei a leitura. Esta edição, com um prefácio de Jaime Nogueira Pinto, abre com um “AVISO: Se tem a sorte de estar a ler Fahrenheit 451 pela primeira vez e ainda não viu o filme, deixe este prefácio para o fim.” Não era o meu caso! Por isso comecei pelo prefácio, onde JNP escreve sobre a importância das leituras na sua vida, para além da valorização desta obra em particular. Anotei algumas frases significativas, entre elas “Esta destruição dos livros é semelhante a um Apocalipse” (p. 14) ou “Os livros são perigosos e levam a pensar e a julgar criticamente”(p. 15).
O livro, com a tradução de Casimiro da Piedade, começa assim: “Era um prazer pôr fogo às coisas” (p. 23). Fahrenheit 451 passa-se num tempo em que “ninguém tem tempo para os outros” (p. 46), onde é fundamental as pessoas não terem tempo para pensar, em que é proibido conduzir devagar ou mesmo andar a pé pela rua, onde quem faz perguntas é considerado anti-social, onde as pessoas não se apercebem de coisas tão simples como a relva ou o orvalho, onde as crianças são um enfado, em que não há memória e nem existe a ideia de felicidade. Aliás, o mundo está em guerra, mas as pessoas estão de tal forma alheadas, que isso lhes é indiferente. As casas são à prova de fogo, têm as paredes revestidas com grandes ecrãs com personagens consideradas “família” e onde não há livros. Se os há, eles serão queimados. Para isso existem os bombeiros, para queimar livros, que ardem à temperatura de 451 graus Fahrenheit.
Guy Montag, bombeiro há dez anos, é um dia confrontado com uma pergunta que Clarisse, a jovem vizinha, lhe faz: “Alguma vez leu os livros que queimou?” (p. 28). Dias mais tarde, numa acção em casa de uma senhora denunciada por ser possuidora de livros, impressiona-o a senhora não querer deixar os livros e imolar-se com eles.
Clarisse percebera que Montag era recuperável, que não era como os outros. Com efeito, sempre que há tirania, há resistência e um dia o bombeiro que queimava livros irá juntar-se a outros homens que tiveram de fugir para sobreviver. Nesta sociedade distópica em que os sentimentos não existem, os focos de resistência são “acampamentos móveis”, pessoas que guardaram livros nas suas cabeças “aonde ninguém consegue aceder facilmente. Somos todos bocados e pedaços de história, literatura e direito internacional” (p. 194). “Vagabundos por fora, bibliotecas por dentro” (p. 195).
Quais fénix renascidas, num mundo arrasado pela guerra, o papel daqueles homens era poder ajudar alguém com a “carga” que transportavam. E usar o tempo que tinham. “Para tudo há um momento. Sim. Tempo para destruir e tempo para edificar. Sim. Tempo para calar e tempo para falar. Sim, tudo isso. Mas que mais? Que mais? “ (p. 208)
Gosto de livros que nos interrogam, que nos fazem reflectir e este, estando o autor longe de imaginar o peso das redes sociais na formação do pensamento, na difusão de (in)verdades nos dias de hoje, é profundamente actual. Não sei se fará parte da lista do Plano Nacional de Leitura, mas seria bom que fizesse, pois reflecte uma preocupação de Ray Bradbury na época (anos 50 do século passado) sobre “o modo como a televisão estava a destruir “o nosso interesse pela leitura e pela literatura e a transformar as pessoas em imbecis” (It is about people being turned into morons by TV”) (p. 15).
1 de Outubro de 2024