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Lendo e escrevendo

Lendo e escrevendo

"Como Animais", Violaine Bérot

28.09.25, Almerinda

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“Como Animais” – Violaine Bérot, 2021

Um livro breve, que se lê de um fôlego, mas com um grande impacto e abordando vários temas com grande importância.

Em jeito de polifonia, cada capítulo é uma voz, um testemunho diferente. Começando com a voz de uma professora, somos confrontados com um enigma: uma família “disfuncional” que escolheu viver fora da aldeia, constituída por uma mulher e o filho autista, para o qual a escola nunca conseguiu ter uma resposta inclusiva, antes o quis direccionar para uma instituição, o que a mãe liminarmente recusou.  E uma menina sobre a qual nada se sabe. Aquilo para que Violaine Bérot nos convida, à medida que as diversas vozes surgem dando o seu testemunho às autoridades, é olharmos também para nós como espectadores/as, como membros da sociedade, porque uma daquelas vozes pode ser a nossa. Como reage a sociedade ao que não entende? Como reage a sociedade ao outro, que sai fora da norma estabelecida? A sociedade intromete-se; a sociedade julga; a sociedade reprime.

Para além da crítica à escola que não está preparada para responder à individualidade das crianças na sua diversidade e nas suas necessidades, e em especial às crianças com deficiência, as outras instituições aqui em foco são a polícia e os media mais interessados em embarcar no “circo mediático” do que informar com seriedade. O título “Como Animais”, se por um lado mostra a estranheza da população que rotula de animais quem, como é o caso, se isola e não vive segundo os padrões das sociedades de consumo, padronizadas; por outro nos leva a questionar se não serão afinal os animais aqueles que se afastaram de tal forma da natureza que já perderam a capacidade de empatia para com os humanos.

Como anteriormente referi, os diferentes testemunhos, as diferentes vozes são únicas e inconfundíveis, levando-nos a ouvi-las/vê-las pela sua singularidade e individualidade através de frases curtas que nos transportam para situações de diferentes personagens respondendo a interrogatórios. E a autora consegue fazê-lo de uma forma notável. Inesquecíveis os depoimentos da mãe – Mariette – que tenta ao limite defender o filho duma sociedade que o exclui, e o depoimento da farmacêutica – Viviane Desroches – uma longa confissão, inesquecível, de alguém que engravidou na sequência de uma violação.

À laia de separadores entre os diferentes capítulos, surgem as vozes das fadas que vivem nas grutas, observam o mundo e estão prontas para libertar as mães que não querem ser, para acolher as crianças das mães que as rejeitaram.  Transcrevo um desses poemas, dum livro que dificilmente esquecerei:

“Nós

as fadas

vemos

o que alguns homens

por vezes

fazem às mulheres

sem lhes perguntarem

nada.

 

Sem pedirem

às mulheres

o seu consentimento

sem lho pedirem

os homens

antes.

 

Nós

as fadas

adivinhamos

o que pode significar

no mundo de baixo

ser menina

ser rapariga

ser mulher.

 

Nós

nos nossos pequenos corpos

nos nossos pequenos corpos de fadas

compreendemos

o que deve ser

um homem

que se exime

antes de entrar

de pedir.”

(págs. 105 e 106)

 

20 de Setembro de 2025

 

 

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