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Lendo e escrevendo

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As Coisas que faltam, Rita da Nova

06.04.23, Almerinda

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As Coisas que faltam, Rita da Nova, 2023

Fui ao lançamento de “As Coisas que faltam” porque tinha gosto em conhecer pessoalmente a Rita, que apenas conhecia pelo seu blogue. Quando cheguei naquela tarde à acolhedora e para mim nova Livraria Martins em Lisboa, fiquei espantada com a imensa quantidade de jovens numa apresentação de um livro, que ali aguardavam a sua vez para ouvir e conversar com a autora. Percebi então que aqueles jovens eram seguidores da Rita nas várias redes sociais em que ela se move. Percebi também que além da avó da Rita, eu era a pessoa mais velha, muito mais velha, naquela pequena multidão que se espalhava pela sala e subia pelas escadas que levam ao andar superior da livraria.

O assunto deste primeiro romance de Rita da Nova – uma rapariga que luta por conhecer o pai – fica claro logo na frase inicial do livro: “Aos oito anos perguntei pela primeira vez à minha mãe se podia conhecer o meu pai.” Para quem esteve naquela apresentação do livro, percebe-se a importância da avó na sua vida, cuja presença a autora nomeia mais de uma vez. Aliás, dedica-lhe o livro, assim como ao pai: “Para a minha avó, a minha pessoa. Para o meu pai, que voltou atrás por mim”. Em Agradecimentos, no final do romance, esclarece-se como aquelas duas pessoas foram determinantes na sua vida e motivadoras para a escrita de “As Coisas que faltam”: “Tinha nove anos quando conheci o meu pai. Morava com a minha avó materna nessa altura, como morei durante vários anos, e foi ela quem sentiu necessidade de chamar o meu pai até mim.” … “Talvez por ter tido a sorte de uma segunda oportunidade com o meu pai – e por «sorte» entenda-se «uma grande avó» -, sempre me fascinou imaginar uma realidade alternativa em que nada disto tivesse acontecido.”

Sendo um livro bastante directo, coloca-nos, no entanto, vários temas para reflexão: o peso da ausência da figura paterna numa sociedade que encara isso uma “falha”, desde logo quando na escola se espera que as crianças desenhem uma árvore genealógica onde a mãe e o pai têm de existir; a dor de uma relação entre mãe e filha em que não há comunicação, onde não há intimidade, onde até o toque e a emoção estão ausentes e os efeitos no futuro adulto; a pressão e o assédio sobre uma rapariga tão comuns numa empresa de homens; como uma relação possessiva e que não respeita o outro, passa pela despersonalização e termina numa relação abusiva e violenta. De forma subtil, a narradora Ana Luís conseguiu, através da caracterização das personagens (mãe, tia Ermelinda, Fernando, Raul) levar o/a leitor/a a prever o desfecho. Aliás, por vezes dialoga com quem a está a ler e levanta o véu, antecipando o que vai acontecer. Gostei do recurso às cartas enviadas pela mãe ao pai que sintetizam uma relação de abandono, de solidão, de falta de comunicação.

Desejo a Rita da Nova muitas leituras, a convicção de que um próximo ainda será uma história com uma relação muito umbilical “o resto será uma história para outra altura” (pág. 253), mas a certeza de que no futuro os voos a irão levar a outras geografias.

2 de Abril de 2023

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