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Lendo e escrevendo

Lendo e escrevendo

As Boas Intenções, Augusto Abelaira

02.01.22, Almerinda

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As Boas Intenções”, Augusto Abelaira, 1963

 

Este foi o penúltimo livro que li em 2021 e o segundo de Abelaira que leio este ano, depois de “A Cidade das Flores”. Quer “As Boas Intenções” quer “Sem Tecto entre Ruínas” que irei ler no início deste novo ano foram herdados da minha irmã, os quais aguardavam a sua vez há alguns anos.

“As Boas Intenções” foi escrito em 1963 e a sua acção decorre num período revolucionário, na transição entre a monarquia e a república, no início do século XX. O valor deste livro é acrescido com um posfácio escrito por Abelaira em Janeiro de 1978, que é o prefácio à 3ª edição, ou seja, quatro anos depois do 25 de Abril, “num dia de excessivo pessimismo, em plena crise governamental”. Em 1963, quando Abelaira escrevera “As Boas Intenções”, vivia-se um período de desalento, após o fracasso das ilusões suscitadas pela candidatura de Humberto Delgado e posteriormente a frustração que foi o golpe de Beja. O desalento do autor era o desalento dum povo sem esperança face a um ditador que parecia imortal. A literatura, aquele livro era uma espécie de “exorcismo”, “uma tentativa de interferir na História recorrendo a palavras mágicas”. “Só um milagre, portanto” podia deitar abaixo o regime de Salazar que parecia eterno. “Agora” (Janeiro de 1978), “que o nosso país caiu na mediocridade sem esperança, a literatura terá talvez de novo o seu papel. A magia ainda que disfarçada, digo.” Céptico em relação à possibilidade de sucesso de todas as revoluções e também da revolução de Abril, Abelaira considera “ingénuo” o seu texto, quase “um acto de superstição”, quando de novo confere à literatura o papel de enganar a História, de fazer magia, como se de um exorcismo se tratasse.

Como anteriormente referi, “As Boas Intenções” decorre no período pré-implantação da República, marcado por conspirações. Se há a crença de que o derrube da monarquia trará uma vida melhor ao povo, que os que apoiarem a República serão recompensados (com uma casa), os protagonistas mostram-se pessimistas: “As revoluções fazem-se com mentiras”. “A República não vai modificar a sorte destes homens. Para que servirá então? Para substituir clientelas?”pergunta Brenda a Vasco que lhe responde “Para entreabrir a porta por onde hão-de entrar os homens de boa vontade. Os das revoluções a sério” (pág. 234).

Maria Brenda, filha de Alexandre a Maria Carlota, envolvida no movimento conspirativo, debate com outros protagonistas a perspectiva que cada um tem sobre a revolução, sobre a mudança, sobre o presente e o futuro, sobre a realização pessoal versus satisfação do colectivo: “Sim, haverá uma revolução quando cada um de nós estiver disposto a fazê-la, só há revoluções quando somos nós que as fazemos.” A incerteza de que a revolução será vitoriosa é a falta de crença nos homens e nas ideias, a convicção de que “não há homens justos.”

O livro é um mosaico de momentos, de diálogos a acontecer entre diferentes protagonistas – Brenda e Vítor, Alexandre e Maria Carlota – que, embora distintos, têm traços comuns, são um continuum. Os anos passam, mas afinal as coisas não mudam, tudo se repete.

Lembrando a revolução de Abril e o que foi o movimento dos capitães que derrubou a ditadura em 1974, o último parágrafo de “As Boas Intenções” é extraordinariamente premonitório e refere-se à queda do regime monárquico a 5 de Outubro de 1910, com a entrada dos revoltosos no quartel de prevenção há várias noites: “Horas depois, com uma facilidade que tantos anos de sofrimento e de lutas não deixariam prever, quase sem resistência, meia dúzia de tiros ou pouco mais, o regime caía. Definitivamente?” (pág. 255)

Um livro que dá que pensar. Um mestre da literatura, atento, pessimista, para quem escrever foi uma forma de agir.

 

26 de Dezembro de 2021

 

 

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