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Lendo e escrevendo

Lendo e escrevendo

Ao Cair da Noite; Michael Cunningham

04.10.21, Almerinda

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Ao Cair da Noite, Michael Cunningham, 2010

Este foi, de entre os três livros que até agora li de Michael Cunningham, o que menos me entusiasmou. Centrado num casal bem sucedido com profissões ligadas à arte, pertencendo a uma elite culta e endinheirada, com um casamento de vinte anos, o único “contratempo” da relação é o afastamento da filha de ambos – Beatrice – a viver em Boston. Rebecca é editora de uma revista e Peter negoceia em arte.

A aparente estabilidade do casal é posta em causa com a chegada de Mizzy, o irmão mais novo de Beatrice, que se vai instalar no apartamento do casal. Muitas das certezas de Peter, até as mais íntimas, passam a ser questionadas. Sentimentos de culpa face ao afastamento da filha; a dor da perda do irmão Matthew; as dúvidas sobre se devia denunciar ou ocultar à mulher os consumos de droga de Mizzy; as dúvidas sobre o próprio valor da arte e de artistas actuais com quem trabalha; a atracção erótica que Mizzy exerce sobre ele, tudo isto é o cerne deste romance de Michael Cunningham que decorre em Nova York.

A estrutura do romance é feita de diálogos curtos e sincopados, em que Peter, sendo personagem, mas também narrador, dialoga com o leitor, faz reflexões, questionando os seus pensamentos, partilhando as suas dúvidas, hesitações, incertezas e fragilidades. É este questionamento, este diálogo constante, o que achei mais interessante no romance, esta humildade de pôr à prova todas as certezas, até aquelas que poderiam ser vistas como inquestionáveis.

Por fim, o livro está repleto de referências a artistas contemporâneos, sobretudo americanos. Nas considerações de Peter, negociante em arte, está implícita uma crítica ao mundo da arte e das galerias em que se move, ao reconhecimento e valorização que é dado a certos artistas em detrimento de outros, em função dos patrocínios e dos padrinhos que os promovem. “Não nos encaminhamos para um reino em que o lixo é tratado de facto como um tesouro?”

Em minha opinião, esta entorse que aqui versa o real valor da arte pode aplicar-se a outras áreas da vida actual, tão obcecada pelo sucesso e pela aparência e indiferente à essência e qualidade dos valores produzidos.

28 de Setembro de 2021