Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Lendo e escrevendo

Lendo e escrevendo

Dublin - 6

20.04.24, Almerinda

Aniversário.jpgThe Temple Bar.jpg

Dublin -6

E aqui chegámos ao quinto e último dia em Dublin, também o dia de anos da Guiomar. Vai ser Dublin só de manhã porque temos o transfer logo às 15:15, para uma viagem que parte do aeroporto às 18:45.

Hoje está um tempo bonito de sol. Começámos pela maravilhosa Catedral de St. Patrick, precedida de uma volta pelo parque adjacente de St. Patrick. A catedral é linda e tem mais de seiscentas pessoas sepultadas no seu interior e no exterior. Logo à entrada , o local onde Jonathan Swift o autor de As Viagens de Gulliver que foi deão desta catedral  e a sua amada Stella estão sepultados. Esta catedral nacional da Irlanda deve o seu nome a St. Patrick que aí perto baptizou pagãos em finais do século XII. Os restauros a que foi sujeita no século XIX foram-no com os fundos da família Guiness. Não tem imagens de santos, mas tem efígies de irlandeses famosos. Handel praticou no órgão desta catedral , antes da primeira apresentação pública de Massiah, em 1742. Além dos vitrais muito bonitos, o chão está coberto de mosaicos com padrões muito coloridos e tem várias capelas , havendo numa delas uma “Árvore da Vida” onde os visitantes são convidados a deixar uma mensagem dedicada a alguém muito querido.

Palestina.jpg

Quis com a minha mensagem recordar e homenagear o Povo martirizado da Palestina. Sem dúvida uma catedral muito bela.

Depois fomos à Christ Church Cathedral que deixámos para o fim porque fica mesmo em frente do nosso hotel. Menos sumptuosa, mas também muito bonita, é o mais antigo edifício de pedra de Dublin e ainda oferece uma parte de museu com peças, roupa e um espaço para compras de souvenirs.  

Christ Church.jpg

Por fim, o Castelo de Dublin, também muito perto do hotel. Para além da galeria de todos os presidentes da Irlanda, logo à entrada uma sala com a cama onde esteve hospitalizado James Connoly. O Castelo, na segunda década do século passado, serviu de Hospital da Cruz Vermelha e os feridos da Revolta da Páscoa de 1916 foram levados para aqui, antes de serem fuzilados pelos britânicos. James Connoly, quando foi transferido daqui para a prisão Kilmainham Gaol, estava de tal forma debilitado devido aos ferimentos que foi amarrado a uma cadeira antes de ser fuzilado, o que causou tal horror que, muitas pessoas que não estavam ganhas para a luta destes patriotas que desejavam a independência, passaram depois daquela desumanidade para o lado dos independentistas. Na mesma sala do castelo de Dublin, numa parede as fotografias dos seis patriotas da Revolta da Páscoa e a fotografia da Proclamação do Governo Provisório da República da Irlanda, assinada por eles.

James Connoly.jpgProclamação.jpg

Dirigimo-nos depois às proximidades do rio Liffey e acabámos por almoçar no mesmo sítio do primeiro dia, festejando o aniversário da Guiomar. Antes ainda, entrámos no Temple Bar para uma última  despedida a James Joyce. Foi entrada por saída, porque pouco havia para comer, só para beber.

Assim se fez a breve história destes cinco dias. Muita coisa ficou por ver, mas ficámos com o espírito da cidade e isso é que contou. Quando me perguntam: E foste aos Cliffs of Moher? E a Galway? Não, não. Só deu para ver um pouco de Dublin. Talvez numa próxima vez dê para ir a Dublinia, ao Chester Beatt Museum, à National Gallery of Ireland e ao National Museum of Ireland, a Kilmainham Gaol,ao EPIC, The Irish Emigration Museum, às Docklands, ao Dublin Writers Museum e ao James Joyce Centre, ao Little Museum of Dublin e a Bray ou aos Howth Cliffs ou à Henrietta Street…

Isto só para falar em Dublin que não é uma cidade muito grande. A minha ambição era muito maior quando fiz a lista de coisas a visitar…

Dublin - 5

19.04.24, Almerinda

Trinity2.jpg

Dublin – 5

Se ontem foi vento forte, hoje foi chuva todo o dia. Muita chuva mesmo, mas lá fomos a pé até Trinity , seguindo pela Dame Street. Não fica muito longe do hotel.

Tínhamos comprado os bilhetes online e depois foi fazer o espaço dedicado ao Book of Kells já muito movimentado e a seguir a maravilhosa Biblioteca – the Long Room – do Trinity College onde já estão os bustos das primeiras quatro mulheres que recentemente tiveram direito a entrar naquele espaço, onde só havia bustos de homens. São elas Mary Wollstonecraft grande pioneira dos direitos das mulheres e do feminismo, Rosalind Franklin cientista, Ada Lovelace matemática e Augusta Gregory, folclorista e dramaturga.

Trinity1.jpg

Grande parte dos livros já foi retirada das estantes da biblioteca para limpeza e manutenção, para poderem ser preservados para as gerações futuras. No mesmo sentido da urgência de cuidar do que temos, a grande peça que se encontra no fundo da Grande Sala é um globo gigante, suspenso do tecto – a Terra vista do espaço, tal como os astronautas a vêem – numa comparação com a urgência de cuidar do planeta Terra para as gerações vindouras. Seguiu-se a parte da exposição imersiva de Kells e da Long Room, uma síntese belíssima do que vimos antes. Tudo muito belo e muito pedagógico. A seguir o Pavillion, espectacular, com estátuas falantes que nos situam na época e que falam com os visitantes sobre o seu papel para a História da humanidade. Nunca tinha visto uma coisa igual.

Sweny.jpg

Depois, descobrir a Sweny, uma farmácia transformada em pequena livraria – onde os escritores irlandeses estão em destaque. Não resisti a comprar um exemplar dos “Dubliners” com direito ao carimbo da Sweny, um sabonete de limão que é referido no Ulysses e um imã com a cara de James Joyce.

Mal se atravessa a rua, como estamos na zona onde viveu Oscar Wilde, lá está ele representado numa escultura, sentado à porta do Kennedys, local que foi o seu primeiro emprego quando tinha 14 anos. Foi aí que almoçámos, uma espécie de Martinho da Arcada em Dublin, desta vez dedicado a Oscar Wilde. O bar restaurante assinala “Kennedys, where stories began”.

Kennedys.jpg

Como estávamos muito perto duma estação ferroviária e, como sou teimosa, apanhámos o comboio para ir até Howth, para ver os tais penhascos, mas com aquela imensa chuva e total ausência de visibilidade, limitámo-nos à agradável e barata viagem de ida e volta de comboio. Talvez a única coisa barata que fizemos em Dublin.

Com um dia de chuva como aquele, nada melhor que passar pelo SPAR e comprar umas coisas para comer no hotel. Foi o que fizemos.

(continua)

 

Dublin - 4

18.04.24, Almerinda

Dublin.jpg

Dublin – 4

Estamos a meio da nossa estada em Dublin e, para evitar as filas intermináveis, logo pela manhã lá estávamos à porta da Guiness Storehouse e a postar-nos debaixo do logo e do símbolo da Guiness para uma fotografia. Os turistas são tão previsíveis! Vale bem o valor do bilhete. Aqui é tudo muito caro. O edifício é uma estrutura espectacular de vários andares até ao andar panorâmico onde nos é fornecida uma Guiness tirada a preceito, para desfrutar da bebida e da vista da cidade de Dublin. Aquilo é um colosso de fazer dinheiro, com milhares de visitantes, diariamente.

Harp.jpg

A Guiness é uma instituição nacional que tem patrocinado com os seus lucros obras de recuperação de monumentos e também tem feito avultados donativos sociais. A visita detalhada, sensorial, é de um enorme interesse na apreensão de todo o processo que conduz à produção duma cerveja única. À saída fomos brindados com uma forte chuvada que nos obrigou a apanhar um táxi. Hoje é o dia do álcool e o caminho a seguir será a Jameson Distillery que fica na margem norte.

Como sempre, pus-me à conversa com o motorista, um irlandês super simpático: Paul Walsh, dois filhos, duas netas, diz-me ele e mostra-me a fotografia das duas meninas no écrã do telemóvel, enquanto lhes dá um beijo. O filho mais velho é o pai das meninas e o mais novo é casado com uma portuguesa de Cabanas (Tavira). Todos vivem em Dublin. O Sr. Walsh era tão comunicativo e tão completo que quando me despedi ele disse “Obrigado”, mas se fosse uma senhora seria “Obrigada”. Espectacular! Nem todos os portugueses sabem e praticam isto.

Depois do almoço num italiano dirigimo-nos à Jameson e, tal como na Teeling com ingressos a 30€, acabámos por ficar apenas no bar no rés-do-chão para desfrutar do espaço e de um Irish Coffee. Copo aquecido com água a ferver, syrup, um cálice de whiskey, café e, por fim, natas. Quando fui buscar o pauzinho para mexer, o empregado muito sério disse: “Isso não se faz ao Irish Coffee!”

Irisgh Coffee.jpg

Em todos os dias há um contratempo e hoje foi Henrietta Street que queria muito visitar. Depois das peripécias para lá chegar, quando finalmente encontrámos o 14 Henrietta Street, tinha fechado há dez minutos e, como fecha às segundas e terças, só poderei lá entrar numa outra vez… Mas nem tudo se perdeu, porque descemos essa mesma rua e descobrimos um mural junto a um bar que James Joyce gostava de frequentar para escrever e para beber, claro.

King's Inn.jpg

Confesso que no regresso ao hotel ia um pouco frustrada. O taxista que nos levou era um jovem afegão a viver há dez anos em Dublin. Quando lhe comecei a fazer algumas perguntas (se calhar fui pouco inteligente), senti por parte dele alguma desconfiança e até estranheza. Como ele me disse, a mulher dele dispõe de todo o dinheiro que quiser para comprar o que bem entender e o que acontece é que as pessoas estão muito cheias de propaganda americana… mas ele até gosta de viver na Irlanda, vai com frequência ao Afeganistão e confessou que, na verdade, ganha num mês na Irlanda o que não conseguiria ganhar num ano no Afeganistão.

Pub.jpg

Para terminar o dia fomos ao Brazen Head, o bar mais antigo da Irlanda. Comi uma sopa de tomate bastante picante, os meus companheiros comeram umas asas de frango com um molho com sabor a laranja que não os deixou nada maravilhados e ainda aguardámos pacientemente belo grupo que deveria começar a actuar às 8h 30m, mas depois percebemos que só seria depois das 10h e limitámo-nos a vê-los começar a montar o estaminé… Mas uma ida a um pub irlandês vale pelo sítio, pelo aconchego das madeiras escuras, dos milhares de garrafas e de copos, do ambiente que ali se respira.

O cansaço já era muito, mas o dia, apesar dos percalços, foi um belo domingo com um nada de chuva e o desencontro com uma casa/museu que foi um dia uma casa de gente muito abastada e que com o tempo passou a ser um local onde se amontoavam famílias pobres que tinham de sobreviver em condições muito difíceis.

Henrietta Street.jpg

(continua)

Dublin - 3

16.04.24, Almerinda

IMG_7687.JPG

Dublin – 3

O segundo dia em Dublin começou mal para mim, porque perdi os óculos… aliás, procurei, procurei, procurei em toda a parte e não os encontrei. Foi o Vítor, com a sua persistência que acabou por os descobrir enfiados dentro do sofá ao lado da cama. Escorregaram lá para dentro e lá ficaram. Que stress!

Resolvido o problema, lá fomos comprar o bilhete do Hop on Bus que nos permite percorrer a cidade por 24 horas, para fazermos a volta toda e percebermos onde devemos parar nos sítios com interesse e que fiquem mais distantes. A cidade é muito acolhedora e os guias/condutores são divertidos, embora seja difícil perceber grande parte do que dizem.  Acabámos por descer junto à ponte Ha’Penny Bridge, que foi a primeira ponte em ferro fundido da Irlanda e que tem este nome porque em tempos idos para a atravessar tinha que se pagar uma portagem (half a penny). Desta vez fomos almoçar a um restaurante turco onde se comeu bem, mas regado a Fanta de laranja… No alcohol! Depois voltámos a entrar no Bus na O’Connell Street  junto à Spire – uma agulha em metal considerada a escultura mais alta do mundo, com 120 metros de altura, concluída em 2003 – e a seguir passámos pela estátua de O’Connell, um dos muitos heróis irlandeses que durante séculos morreram a lutar contra o domínio dos ingleses. Tínhamos como objectivo ir a Merrion Square, a zona onde Oscar Wilde viveu para ver a belíssima estátua do escritor reclinado sobre um pedregulho. Simplesmente espectacular, assim como o jardim com lindas flores com perfumes intensos e os grandes relvados onde os cães têm muito espaço para correr e brincar.

bicicletas.jpg

Até St. Stephen’s Green passa-se por uma zona de embaixadas e escritórios de arquitecto, solicitadores e advogados onde se avisa que as bicicletas serão removidas, se se deixarem presas ao gradeamento dos edifícios. St. Stephen’s Green é um grande parque com lagos, com patos e cisnes, com muitas túlipas e outras flores que dançavam de um lado para o outro naquela tarde de muito vento.

James Joyce.jpg

James Joyce gostava muito deste parque e talvez por isso há um memorial que lhe é dedicado. Arrepia pensar que aquele local tão belo e aprazível tenha sido em tempos escolhido para local de enforcamentos públicos. Entrámos pela zona norte que tem um memorial a Wolfe Tone, um patriota do século XVIII e logo no interior do parque, o memorial à fome.

 

A Teeling Whiskey Distillery era um dos pontos que tinha anotado na minha lista de sítios a visitar, mas afinal foi apenas um ponto para visitar as casas de banho, porque a perspectiva de uma visita guiada de 40 minutos entre 20 e 35€ pareceu-nos muito desinteressante! No regresso ao hotel passámos por uma zona certamente antiga, possivelmente operária, de pequenas casas. Fomos descansar no hall do hotel com umas cervejas e uns moroccan falafels, servidos desta vez por uma jovem portuguesa de Évora. O hotel estava cheio, talvez por ser fim-de-semana, com grupos ruidosos que bebiam e de novo um grupo de mulheres para mais uma despedida de solteira.

Andar muito a pé, mesmo que tudo seja próximo e o chão seja plano, também cansa. O dia de amanhã é para sair cedo e evitar as filas para entrar na Guiness Storehouse e aproveitar as últimas horas a que temos direito no Green Bus. Até amanhã!

(continua)

Dublin - 2

15.04.24, Almerinda

MAPA_Dublin.jpgMapas

Sem mapas nada feito. Olho para o mapa, imagino o tamanho da cidade, assinalo o sítio exacto onde vou ficar, decido o que devo ver,  e depois tento organizar aquele "material" escolhido pelos diferentes dias da estada. Como nunca consegui cumprir um plano, nem sequer no longínquo ano do estágio, sei que também não é agora que vou cumprir plano nenhum, nem isso me preocupa. E com efeito, a bela lista inicial ficou como uma intenção, um desejo, mas sem grande viabilidade de ser cumprida. 

Também não sou muito de me guiar pelo senhor Google e, de mapa físico na mão, olhando para as tabuletas nos topos das ruas que assinalam qual é a Dame Street ou a Merrion Street, lá vou eu armada em turista que não precisa de mais ajudas... excepto quando tenho mesmo de pedir ajuda a um/local. Eu sei que isso já não se usa, mas eu ainda sou do tempo das dinossauras....

Então, o primeiro dia ainda é assim um pouco à maluca, para respirar o ar da cidade, olhar para tudo e não ver nada, tentar descobrir alguma coisa que tenha assinalado na minha lista lá longe na margem sul do Tejo. Estamos no centro de Dublin, mesmo no centro ao pé de Dublinia e em frente à ChristChurch Cathedral e é só descer um pouco e chega-se ao Rio Liffey. Muitas pontes atravessam o rio, mas a mais emblemática - parece que se deve pedir um desejo antes de a atravessar, coisa que eu não fiz - é a Ha' Penny Bridge.

IMG_7680.JPG

Atravessada uma das pontes, seguimos ao longo da margem norte, vemos logo um mural alusivo ao Brasil e à comunidade brasileira. O almoço foi no River Bar, um sítio bem simpático, no edifício da Heineken, apesar de termos bebido uma Guiness a acompanhar chicken wings e fries. Como não estávamos muito longe do Trinity College, onde estudam dezasseis mil alunos, pensámos que poderíamos tratar logo de visitar a famosa Biblioteca e o Livro de Kells mas, além de naquele dia já não haver mais visitas, é preciso reservar com antecedência e online. Fica pois para segunda feira às 11 da manhã! 

Quanto ao Temple Bar, numa sexta feira ao fim do dia é impensável. Não cabe um alfinete naquele espaço icónico, mas na mesma rua há muitos outros bares e a ida ao Bad Bob's servido por um rapaz brasileiro e com um cantor de serviço e muita gente a acompanhá-lo dos lugares, soube igualmente bem. Nos dias do fim de semana que se seguiram, vimos vários grupos de raparigas em despedidas de solteiras e aqui no bar foi o primeiro. Vestidas todas com as mesmas cores, as bandoletes com os trevos de 3 folhas, símbolo da Irlanda, eram parte do dress code daquele grupo divertido. 

O cansaço do primeiro dia em que é preciso madrugar para estar a horas no aeroporto não nos impediu de ainda dar um salto ao lado norte da cidade, mesmo junto ao rio para comer um belo gelado. Mais uma rapariga brasileira, desta vez a trabalhar na geladaria. 

Depois deste primeiro contacto com Dublin, sempre a pé, decidimos que amanhã iremos comprar um bilhete de autocarro daqueles em que se pode sair e entrar onde se quiser e que nos permite ficar com uma visão geral da cidade. 

(continua)

 

Dublin - 1

14.04.24, Almerinda

Dublin_2024.JPG

Dublin – I

Esta era uma viagem desejada há muito. Pensada para ir com a minha turma de Inglês, mas que acabou por ser feita apenas com o Vítor e a Guiomar, que há tempos me tinha emprestado um CD e um guia para eu planear uma visita a Dublin. A ideia da visita guiada com guias locais e num pacote com refeições, para a tal visita com a turma, acabou por ser abortada, dados os preços astronómicos que comportava. Assim, depois de uma longa campanha eleitoral e de um período de tempo com muito trabalho, a ideia de aproveitar uns dias das férias da Páscoa para desopilar, tornou-se um objectivo e Dublin acabou por ser a melhor opção. Ainda tínhamos uns restos a haver da companhia de viagens da tal ida a Berlim que nunca aconteceu por causa da pandemia e, portanto, o dinheiro do mealheiro de 2023 ajudou a tornar a viagem para os dois menos pesada.

Foram cinco dias, melhor, quatro e meio, com tempo aceitável, mais para o frio e com um dia de vento muito forte e outro de chuva intensa. Hoje que estou a escrever este texto num dia de muito calor, parece mentira que tenha estado em Dublin com 7 graus de mínima e quinze de máxima.

Planeei sem grande rigor, procurando encontrar os sítios que achava incontornáveis, começando por não esquecer o peso da Irlanda e de Dublin para a Literatura, ainda por cima porque andamos a ler Dubliners de James Joyce. A minha lista foi extensa, talvez um pouco irrealista, mas, à partida, sabia, que muito iria ficar por ver, muito iria ficar por descobrir. Assim foi. Depois daqueles cinco dias, fiquei com vontade de lá voltar, de visitar coisas que não vi desta vez, mas sair de Dublin e explorar outros sítios, nomeadamente os Howth Cliffs, a quarenta minutos de comboio de Dublin e que, por via da chuva e do nevoeiro , tentámos visitar mas percebemos que não iríamos ver e, por isso, valeu apenas pela viagem de comboio, bastante acessível e agradável.

Gostei das pessoas. Achei-as simpáticas, fiz conversa com os motoristas dos táxis, deparámo-nos com imensos brasileiros e brasileiras (a 2ª maior comunidade a viver em Dublin depois dos Dubliners), bebi pela primeira vez a famosa Guiness e gostei, fiquei deslumbrada com a visita ao Trinity College, englobando a Long Room, o Book of Kells e a visita ao Pavillion. Num registo diferente, mas também de uma qualidade excepcional, a visita à Guiness Storehouse. Tudo pago a preceito… mas com exposições de elevada qualidade e inesquecíveis. Como é possível estarmos a olhar para a estátua de Mary Woolstonecraft, ou de Shakespeare, de Ada Lovelace ou do filósofo Sócrates e de repente eles começarem a conversar uns com os outros, questionando-se sobre nós, os visitantes da exposição? Impossível não ficar de boca aberta com o desenvolvimento e os recursos que hoje são usados em museus e exposições.

A comida? Pobre, repetitiva e só suportável porque somos turistas de poucos dias. Os pubs? O cúmulo da alegria, com muita pint, muita bebida, muita gente a cantar em coro com o músico de serviço. A vida? Cara, muito cara, pelo menos para nós, mas também certamente para os irlandeses, dado ser visível a quantidade de gente a pedir e de pessoas sem-abrigo. Sei que há entre os guias de ocasião, que se encontram um pouco por todo o lado, rodeados de pessoas que os seguem, também guias que são sem-abrigo e que vivem daquilo que recebem dos visitantes que os acompanham. Em 2022, uma bloguista que sigo, escreveu alguns posts na sequência da sua viagem a Dublin e na altura referiu a excelente experiência que teve numa visita guiada por um sem-abrigo, sobretudo porque levam os turistas a conhecer uma outra realidade de Dublin que não é a realidade turística dos guias oficiais, certamente aquela que é mais próxima da realidade dos locais.

Saí de Dublin com a ideia de que os Irlandeses têm um grande orgulho da sua história, dos seus escritores, da sua cultura e da luta que os tornou independentes do poder colonial inglês. Não posso deixar de avaliar que a minha visão parcelar, superficial, limitada e pobre é a visão da turista ocasional que quer uns dias de evasão e olha para a cidade, para os monumentos, para as pessoas com uns olhos sem filtro, a querer descobrir em tudo o que de melhor lhe é oferecido. Mas não deixa de ser interessante, na primeira saída do hotel, a caminho do rio Liffey, quando estás a olhar para um interessante edifício de esquina, um senhor dos seus setenta e muitos te informa que aquela era uma antiga fábrica de sabão/sabonete (soap). Essa simpatia é algo muito bonito que, infelizmente, tanta falta nos faz nos dias de hoje.

(continua)

“Vemo-nos em Agosto”, Gabriel García Márquez

02.04.24, Almerinda

Vemo-nos em Agosto.jpg

“Vemo-nos em Agosto”, Gabriel García Márquez

 

Foi com “Cem Anos de Solidão” que me iniciei e maravilhei com Gabriel García Márquez, já lá vão muitos anos. Com “A Hora Má: o Veneno da Madrugada”, tentei, mas não fiquei fascinada como com aquele primeiro romance incrível que me permitiu horas e horas de deslumbramento. Até que de novo fiquei rendida ao grande Gabriel García Márquez com “O Amor nos Tempos de Cólera”, um dos livros da minha vida. Outros livros do autor colombiano oferecidos mas ainda não lidos têm ficado por desvendar na estante, a aguardar a sua vez.

Dez anos após a morte do autor, chegou às livrarias “Vemo-nos em Agosto”, lançado no dia em que Gabo faria 97 anos. Trata-se do seu último livro. Em 1999 Gabriel García Márquez anunciou que estava a escrever um romance com cinco contos autónomos e foi escrevendo várias versões até que a doença lhe tirou as forças para o dar por concluído. No Prólogo, assinado pelos dois filhos do autor, referem as palavras do pai, consciente da fragilidade da sua condição:  “A memória é ao mesmo tempo a minha matéria-prima e a minha ferramenta. Sem ela não há nada.” (pág.7). Ao tomarem a decisão de divulgar o livro, apoiando-se nas várias versões existentes, Rodrigo e Gonzalo García Barcha reconhecem que se tratou de “um ato de traição”, pois para o pai “Este livro não presta. É preciso destruí-lo.” (pág.8), embora confiem que “Gabo nos perdoe”se os leitores o celebrarem.

O que poderei dizer deste pequeno livro que se lê dum trago? Ana Magdalena Bach de 46 anos, casada e feliz há 27 anos com um homem de 54 anos, com um filho e uma filha, visita a campa da mãe, sepultada numa ilha num pobre cemitério no cimo duma colina “o único lugar solitário onde não podia sentir-se só.” (pág.16). Uma vez por ano, no dia 16 de Agosto, apanhava o ferry até à ilha numa viagem de quatro horas, sempre acompanhada por um livro, apanhava o mesmo táxi, comprava um ramo de gladíolos sempre na mesma florista e ocupava o mesmo hotel. Visitava a campa da mãe, levava-lhe os gladíolos e no dia seguinte regressava a casa.

Tal como a sua vida de casada era feita de rotinas previsíveis e felizes, também aquela rotina anual a levava sozinha à ilha onde a mãe se deslocava com frequência em vida, com a desculpa de que lá tinha um negócio próprio. A experiência de uma relação ocasional com um estranho, que Ana Magdalena Bach conhece no bar do hotel, quebra todo um esquema em que vivera até então. “Nunca mais voltaria a ser a mesma.” (pág.29) “Não obstante, foram-lhe necessários vários dias para tomar consciência de que as mudanças não eram do mundo, mas sim dela própria, que andara sempre pela vida sem a ver, e só nesse ano, ao regressar da ilha, começara a vê-la com os olhos do escarmento.” (pág.31)

A ansiedade por uma nova aventura que se procura em próximos 16 de Agosto na ilha traz consigo alterações no comportamento e no sono e mudanças também na sua relação com o marido, levando-a a suspeitar que ele a enganava. Sentimentos contraditórios de culpa, humilhação, desejo, raiva, frustração e desânimo surgem ao longo do livro em diferentes momentos em que a personagem feminina se depara com diferentes parceiros ou putativos parceiros. Mas assume-se de forma activa e afirmativa enquanto mulher que aspira ao direito ao prazer, fora da sua condição de mulher casada.

Não sendo um livro incrível, é um livro que não se esquece, pois consegue transportar-nos para o insólito duma situação pouco expectável. Os pormenores das descrições dos diferentes locais, das roupas que a protagonista veste, os títulos dos diferentes livros que leva em cada viagem, os diálogos, os momentos que nos fazem rir, tornam o livro muito visual e daí ficar na memória como um momento de agradável fruição de leitura.

Não sei se Gabriel García Márquez ficaria satisfeito pela traição dos filhos. Uma coisa é certa: “Vemo-nos em Agosto” tem estado nos tops de vendas de algumas das livrarias do país e as apreciações dos leitores fiéis de Gabriel García Márquez dividem-se quanto a este livro. Em minha opinião, ainda bem que ele não foi destruído, como o autor desejou.

31 de Março de 2024

Almerinda Bento