Tanta Gente, Mariana - Maria Judite de Carvalho
“Tanta Gente, Mariana”, Maria Judite de Carvalho, 1959
Maria Judite de Carvalho é, em minha opinião, uma das grandes escritoras do século XX. Já li vários romances e contos dela e voltei à leitura de “Tanta Gente, Mariana”, depois de este título ter sido escolhido pelo Círculo de Leitura da UNISSEIXAL. Esta obra é a mais conhecida da autora e considerada a mais autobiográfica, na medida em que se aproxima muito da vida da autora que ficou órfã aos 7 anos e foi educada por umas tias.
O título “Tanta Gente, Mariana”, retirado de uma conversa de Mariana com o pai, quando ela era uma jovem de quinze anos, sintetiza bem a solidão da personagem, marca de uma vida, mesmo quando estava rodeada de pessoas e de amigos. “Sou uma velha de 36 anos” (pág. 38), assim se vê Mariana agora que é uma mulher só, sem família, com dificuldades económicas que a roupa coçada evidencia e a enfrentar a certeza de uma morte para breve. No entanto e, apesar do infortúnio, ela consegue agarrar, embora fugazmente, a ideia de esperança, coisa em que nunca antes pensara. “Um mundo é de repente um amontoado de coisas estranhas que vejo pela primeira vez e que existem com uma força inesperada.” (pág. 14) Passa em revista os seus relacionamentos, as suas poucas amizades, os sonhos que não se concretizam, a hipocrisia social que se revela mesmo com “Lúcia, minha amiga de sempre e para sempre”, expressão carregada de ironia, que repete sempre que fala de Lúcia. De forma muito subtil, Maria Judite de Carvalho faz a crítica ao ideal de mulher do Estado Novo no qual Mariana não se encaixa e que leva a que seja despedida do emprego e não convidada para o casamento da “amiga de sempre e para sempre”. Afinal uma mulher divorciada e grávida, de que não se sabe quem é o pai da criança é um estatuto que o puritanismo hipócrita do salazarismo não consegue admitir!
As dezenas de personagens criadas por Maria Judite de Carvalho são maioritariamente femininas. Observadora do quotidiano, trouxe para a sua obra histórias tristes de desamor e de solidão e através da escrita e duma fina ironia conferiu ao privado um carácter político. Baptista-Bastos referiu Maria Judite de Carvalho, no prefácio a um dos seus livros, como “uma ternura magoada” e Agustina Bessa-Luís chamou-lhe “flor discreta”.
“Uma ternura magoada” e uma “flor discreta” merecedora de muito maior divulgação.
15 de Março de 2024
Almerinda Bento