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Lendo e escrevendo

Lendo e escrevendo

#7 Maria de Lourdes Pintasilgo

07.12.20, Almerinda

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#7 Maria de Lourdes Pintasilgo

Mulher única. Mulher rara.

A única mulher primeira ministra em Portugal. A primeira mulher que ousou candidatar-se à presidência da República, num mundo de homens. Aquele sorriso. Aquela serenidade. Aquela força. Aquela coragem. Uma dimensão que ultrapassava os limites do nosso País pequeno e fechado. Reconhecida e considerada fora do país. Sem honras de Estado no funeral, ela que foi primeira ministra de Portugal.

Tive a honra de a conhecer e de guardar o seu “Cuidar o Futuro” autografado. “Cuidar o Futuro” é o relatório da Comissão Independente População e Qualidade de Vida a que presidiu, uma comissão de peritos e peritas verdadeiramente paritária. “Constituída por dezoito membros com reconhecida experiência política e participação activa nas causas públicas do nosso tempo” tinha igual número de membros oriundos do Norte e do Sul e igual número de mulheres e homens.

Nem podia ser de outra maneira.  Tratando-se de “um programa radical para viver melhor”, Maria de Lourdes Pintasilgo só assim trabalhava, em equipa, rodeando-se de quem, no terreno, conhecia a realidade e queria enfrentar os desafios dum mundo sustentável, harmonioso e humano.

Abrantina como eu, o seu rosto surge numa parede que homenageia 100 personalidades ilustres naturais de Abrantes.

 

#6 Maria Lamas

06.12.20, Almerinda

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#6 Maria Lamas

Muito respeito por esta mulher que, nas difíceis condições de repressão salazarista e numa época em que o conservadorismo dominava, teve uma vida plena, afrontando preconceitos, vivendo livremente e defendendo ideias emancipatórias da condição da mulher. Jornalista, escritora, defensora dos direitos das mulheres, membro e presidente do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, percorreu o país de norte a sul e ilhas tendo feito um trabalho único e de vanguarda de recolha das vivências das mulheres portuguesas. É a sua grande obra As Mulheres do meu País.

Quis que o contorno da  Serra d’Aire de algum modo pudesse figurar nesta colagem onde, de novo usei, ainda com fraco domínio, o acrílico sobre tela. Aparentemente, sem qualquer ligação com a figura de Maria Lamas, um recorte de jornal sobre uma designer de moda francesa – Sonia Rykiel – cujas criações coloridas e com materiais flexíveis e práticos valorizaram sempre e libertaram o corpo das mulheres.

Torres Novas, terra natal de Maria Lamas, o destino desta colagem.

#5 Catarina Eufémia

05.12.20, Almerinda

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#5 Catarina Eufémia

Catarina, a ceifeira assassinada. A ditadura não permitia gente que lhe levantasse a voz, que lhe gritasse por Pão, por Democracia, por Justiça, por Dignidade. Os latifundiários não tinham de se preocupar com os assalariados famélicos ao seu serviço. A polícia, a PIDE, a GNR e a Legião eram o garante de que a ordem seria respeitada.

A ceifeira assassinada. Num dia 19 de Maio de 1954. Tinha 26 anos. Mãe de três filhos e com um quarto a caminho, foi assassinada porque ousou reivindicar um aumento da jorna. Afinal ela só queria Trabalho e Pão.

A minha escolha na minha estreia a trabalhar em tela com acrílico foi a simplicidade. Catarina Eufémia, um cravo vermelho, um vestido de flores e o poema “A Morte saiu à Rua” de José Afonso.

Uma alentejana para outra alentejana.

 

 

#4 Marielle Franco

04.12.20, Almerinda

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#4 Marielle Franco

Dia 14 de Março é Dia de Marielle. Foi nesse dia, em 2018, que ela foi assassinada. Barbaramente! Será que podia haver outro advérbio para falar desse acto bárbaro, quando parece que estamos anestesiados com a violência diária, a nível mundial que se vira maioritariamente contra as mulheres? Por isso, violência de género, assumindo formas e matizes tão diversos, mas dirigida às mulheres, desde as meninas até às mulheres de idade. De todas as classes. De todas as idades. De todas as culturas. De todas as cores.

Marielle assassinada com quatro tiros na cabeça. Ainda não se sabe quem a matou… sabe-se que ela Marielle, como muitas outras Marielles, activistas em todo o mundo contra a injustiça e a desigualdade, contra a pobreza e a exclusão, que dedicaram as suas vidas a lutar por um mundo melhor, são o alvo do poder patriarcal, são o alvo das ditaduras que não toleram democracia, igualdade, justiça social. Marielle sintetizava essa energia transformadora e libertadora do seu povo das favelas, do povo explorado, excluído, discriminado. Orgulhosamente feminista, favelada, lésbica, política.

Na minha colagem escolhi entre outros recortes de jornais, um artigo da Joana Mortágua sobre Marielle. Para a Joana que tão bem sabe falar sobre Marielle e sobre o povo brasileiro.

 

 

 

 

 

#3 Frida Kahlo

03.12.20, Almerinda

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Frida Kahlo

Esta mulher apaixona-me. É uma inspiração. Apaixonada, livre, o seu sofrimento físico não a limitou, tendo transposto para as telas não só a sua própria imagem, mas a dor física e a angústia das perdas.

A pintura preencheu a minha vida. Perdi três filhos e outra série de coisas que teriam podido ocupar a minha vida horrível. Tudo isso foi ocupado pela pintura. Creio que não há nada melhor que o trabalho.”

A primeira colagem em que deliberadamente procurei notícias em jornais sobre Frida, em que escrevi citações de Frida e também de Franz Kafka. Na minha biblioteca, Kahlo e Kafka estão lado a lado. Descobri esta coincidência maravilhosa, numa citação de Franz Kafka: “Frida tem o mesmo número de letras de F [Franz] e a mesma inicial”.

A colagem final esteve exposta com outras colagens das alunas da Joana Verdelho no auditório da Junta de Freguesia de Amora. Desde o início que percebi que esta colagem iria ficar para mim. Foi também com esta colagem que decidi avançar com um projecto para este ano: retratar 20 mulheres em 2020.

#2 Rosie, the riveter

02.12.20, Almerinda

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#2 Rosie, the riveter

Rosie, a rebitadeira é o símbolo do esforço de guerra assumido pelas mulheres quando, por escassez de mão-de-obra, por os homens terem sido alistados para o exército, as mulheres ocuparam nas fábricas os postos de trabalho que anteriormente só estavam nas mãos dos homens. Elas mostraram que também eram capazes de fazer o mesmo trabalho -  We can do it!

Estava dado mais um passo na história da emancipação das mulheres, mesmo quando, terminada a 2ª guerra mundial, se pediu que elas voltassem para casa, de regresso à “normalidade”.

Rosie, the riveter tem sido um ícone do feminismo, por aquilo que significa de autonomia, de capacidade, de força. Há muitas histórias ligadas a Rosie, mas confirmou-se que a operária de uma fábrica de aviões que inspirou o icónico cartaz foi Naomi Parker, falecida em 2018 com 96 anos.

Esta minha segunda colagem foi feita num suporte diferente – cartão – e ofereci-a a uma mulher feminista muito especial que me tem inspirado ao longo de décadas.

 

#1 Hijab

01.12.20, Almerinda

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#1 Hijab

Tudo começou de uma forma simples.

Nas minhas aulas de desenho e pintura, a Joana propôs-nos um desafio diferente. Uma colagem. Primeiro fica-se de pé atrás, pensa-se que não se vai conseguir fazer (o meu lado negativo a funcionar), mas passado o primeiro momento de indecisão, a semente começa a germinar.

Tinha acabado de ler “Um Muro no Meio do Caminho” de Julieta Monginho e as mulheres sírias nos seus hijabs não me saíam da cabeça. Refugiadas/os, vidas suspensas numa “ilha que é uma prisão disfarçada de paraíso” à espera que a Europa sonhada, que os olha de lado e que os cerca de arame farpado, lhes dê um salvo-conduto que lhes permita concretizar os seus sonhos.

Hijab foi pois a minha primeira colagem. As palavras e as imagens que acompanharam o desenho conseguiram de algum modo estar em harmonia com o desenho e com o objectivo da colagem. Quando a acabei já sabia a quem a ia dar.

Cartas a Sandra, Vergílio Ferreira

01.12.20, Almerinda

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Cartas a Sandra, Vergílio Ferreira, 1996

Este foi o último livro escrito por Vergílio Ferreira. Abruptamente interrompido. Dez cartas dirigidas à mulher amada, já morta, tendo a última ficado incompleta, porque o autor faleceu no momento em que a escrevia.

A publicação de “Cartas a Sandra” é da inteira responsabilidade da filha que escreve uma apresentação a anteceder o romance. Entre várias pastas com escritos do pai, as dez cartas – “um projecto mutilado” – que constituem este romance estavam dactilografadas, pelo que ela considerou que teriam o objectivo de serem publicadas, possivelmente até para fazerem parte de um romance de que não deixou qualquer plano ou projecto. Para além da emoção que estas cartas provocam a Xana e também da dor por atitudes da juventude, elas reflectem o amor que os pais nutriam um pelo outro sendo tão diferentes entre si. A mãe tinha um temperamento frio, austero, pouco dado a exteriorizar sentimentos, como se poderá ler nas cartas, com referências quando ela o repreendia “que tolice” ou “não cresceu desde a adolescência”. (I carta)

Através dessas cartas, no isolamento da aldeia, uma escolha para estar consigo mesmo, perto da serra que amava, ele recorda a mulher para continuar a viver esse amor, para “dizer-te tudo o que não deixaste que te dissesse e devia ser a insensatez que tu dizias”. (I carta) Interpela-a “Alguma vez soubeste que eu me reprimia contigo? Um certo medo de te desagradar e de te perder?” (VII carta)

Nas cartas, são raras as referências a outras pessoas para além das breves visitas ou telefonemas da filha Xana. Para além de Deolinda que garante a rotina da manutenção da casa e das refeições de Paulo (narrador/autor) e do amigo o doutor Mário, os poucos contactos com pessoas da aldeia ou da vila mais próxima não merecem destaque. Numa das breves visitas de Xana à aldeia, por ocasião do Natal, ele refere na IV carta que durante a Ceia ele sentiu que eram quatro à mesa: ele, a filha, o neto e Sandra.

São densas estas cartas. Ternas, tristes, amorosas, plenas de recordações, Paulo penaliza-se por aquilo que não fez quando Sandra ainda era viva. “Havia o quotidiano da nossa vida e eu estava tão distraído” (V carta). Coloca-a num patamar superior porque para ele, Sandra não era “da ordem finita de se ser” (VII carta) e ao escrever-lhe, almeja “transpor a enorme distância que ia da minha condição terrestre à tua sacralidade e para lá dela ao teu corpo.” (IX carta), pois “como uma deusa que estivesse de passagem, jamais te falei assim porque tu ignoravas o que havia em ti de transcendência e querias que não houvesse e eu fosse mais quotidiano e talvez te magoasse.”… “desespero de relembrar quanto te amei para além de ti e quanto tu querias que não. Decerto a tua divindade perdeu-se no nosso uso mútuo dos dias e para sempre se manteve.” (IX carta). “O amor e a morte inserem-se um no outro, deves saber. Mas eu sobrevivi e isso é uma condenação.” (VII carta)

Para além da aldeia natal com vista para a serra, aldeia de que Sandra não gostava, são as recordações de Coimbra, das suas ruas, das baladas coimbrãs em dia da Queima das Fitas quando jovens universitários as referências que nos são dadas ver nestas cartas. O céu em dias de sol abrasador ou a escurecer com a chegada da noite, as noites frias e solitárias de Inverno, a grande figueira à porta de casa são o pano de fundo dos pensamentos saudosos de Paulo na “luta entre o desejo de que te esqueça e o de endoidecer contigo.” (V carta)

Um livro belíssimo, poético, para ser lido devagar. Como o amor, sem pressas.

Com a urgência de reler “Para Sempre”.

29 de Novembro de 2020

 

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