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Lendo e escrevendo

Lendo e escrevendo

#16 RBG

17.12.20, Almerinda

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#16 RBG

Estas 3 letrinhas e o povo americano sabia que correspondiam ao nome da grande juíza do Supremo dos EUA Ruth Bader Ginsburg. Faleceu a 18 de Setembro. Grande perda, na pior altura. Quem não sabia quem ela era, ficou a saber por a sua morte ter ocorrido em plena campanha eleitoral dos EUA, sendo ela uma voz firme, corajosa e decisiva contra Donald Trump, que a apelidou de bruxa.

Feminista. Progressista. Foi uma das nove mulheres a entrar em Direito em Harvard em 1956 e a melhor aluna da sua turma em Columbia. Em 1993 tornou-se a segunda mulher a integrar o Supremo Tribunal dos Estados Unidos da América por nomeação do então Presidente Bill Clinton.

Num artigo de Joana Mortágua ela refere que para milhões de norte-americanos RBG era verdadeiramente amada e isso está bem patente quando a juíza convidada no programa Late Night caiu e partiu duas costelas. Stephen Colbert, anfitrião do talk show disse: "Ela é demasiado preciosa. Esqueçam a toga preta, ela devia andar embrulhada em papel com bolhas de ar e ser levada pelas escadas como se fosse um ovo Fabergé”.

Na minha colagem, escolhi quatro citações de RBG

“I was a law school teacher, and that’s how I regard my role here with my colleagues, who haven’t had the experience of growing up female and don’t fully appreciate the arbitrary barriers that have been put in women’s way”

“I would like to be remembered as someone who used whatever talent she had to do her work to the very best of her ability”

“Women belong in all places decisions are being made”

“Fight for the things that you care about, but do it in a way that will lead others to join you”

Entretanto, o grande receio de que Trump fosse reeleito não se concretizou. Joe Biden foi eleito, mas os estragos deixados pelo seu antecessor, irão demorar muitos anos a serem ultrapassados.

 

 

 

#15 Marisa Matias

15.12.20, Almerinda

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#15 Marisa Matias

Nem sempre o inicialmente planeado é integralmente cumprido. Há sempre ajustamentos, mudanças, correcções e quando os projectos são a longo prazo – 12 meses – naturalmente que a ideia inicial vai sendo alterada. A lista das 20 mulheres está lá na minha agenda, mas a verdade é que o número 20 era redondo, mas muito limitado. E à medida que o ano se ia aproximando do fim, ficou claro que era preciso acrescentar mais e que iria ultrapassar a barreira inicialmente proposta.

Escolher a Marisa Matias, para mim, era incontornável. Uma mulher de causas. Ela tinha sido a minha candidata a Presidente há cinco anos e voltaria a ser em 2021. Socorri-me das palavras de ordem da campanha de 2016 que tinham como pano de fundo a defesa dos valores da Constituição: Pão, Habitação, Saúde, Educação. Afinal, os valores que precisamos defender cada vez mais, num ano de crise pandémica, socioeconómica e ideológica.

Marisa, Força Maior.

 

 

# 14 Paula Rego

15.12.20, Almerinda

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#14 Paula Rego

Quando no início do ano comecei a idealizar o projecto a que dei o nome 20 Mulheres em 2020, Paula Rego foi um dos primeiros nomes que me veio à cabeça. É talvez das pintoras portuguesas cuja obra mais amo.

A força das suas telas, os múltiplos sentidos que nos convocam sempre que somos confrontados com o inusitado dos elementos de que são feitas, a perfeição e domínio técnico são parte substancial da admiração pela pintora. A somar a estes aspectos, a força da sua pintura reflecte uma personalidade livre, irreverente, desconcertante.

Quando em Portugal se lutava pela despenalização do aborto, quando grande parte do povo ignorou o seu valor não participando no primeiro referendo, quando a hipocrisia reinante quis impor um silenciamento demasiado ruidoso do aborto clandestino, Paula Rego decidiu pintar “vários tipos de mulheres que estão a sofrer. Jovens de escolas com uniformes – comprei uniformes ingleses – depois uma mulher mais velha, que já tem filhos que cheguem, com uma bata azul. As meninas ricas que escondem dos pais e fazem abortos sozinhas nos quartos. Essas coisas acontecem em toda a parte. No Estoril, em Cascais…”. Era preciso desocultar o tabu do aborto clandestino.

Pelo facto de o referendo de 1998 ter sido perdedor, a sua decisão de pintar o tema do aborto clandestino, tornou-se-lhe um imperativo, uma exigência cívica. Como Paula Rego diz numa entrevista num jornal da época “ Devia ser legalizado o desmanche, legalizado a liberdade de cada mulher decidir por si própria. Não é mandar prender, isso é uma vergonha.”

Visitar a obra multifacetada de Paula Rego é um privilégio que nos é acessível, nomeadamente através da sua Casa das Histórias em Cascais.

 

#13 Greta Thunberg

13.12.20, Almerinda

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#13 Greta Thunberg

Quando uma rapariga consegue ganhar notoriedade por se mobilizar por uma causa global – o clima e as alterações climáticas – e sobretudo quando consegue mobilizar milhares de jovens em todo o mundo, transformando um acto isolado num grande movimento, isso enche-nos de esperança.

A sua luta começou quando ainda tinha 15 anos. Todas as sextas-feiras em frente ao parlamento sueco, fazia greve às aulas pelo clima. “Estou a fazer greve à escola para protestar contra a inacção relativamente às alterações climáticas. Vocês também deviam fazer o mesmo.” A estranheza por uma miúda afrontar um gigante trouxe-lhe muitos inimigos, mas também muitos aliados, muitos jovens que a seguiram em manifestações gigantes. Já não era mais possível fazer de conta, ignorar, ou escarnecer.

Sem papas na língua, com um discurso claro e directo, começou a ser convidada para cimeiras, para a Conferência das Nações Unidas pelas Mudanças Climáticas, alertando para os riscos para o futuro da humanidade em virtude das alterações climáticas. Ao mesmo tempo, começou a ser nomeada, tendo sido eleita Personalidade do Ano em Dezembro de 2019  pela revista Time, a revista Forbes incluiu o seu nome na lista das 100 Mulheres mais poderosas de 2019 e já teve duas nomeações consecutivas para a o Prémio Nobel da Paz .

Esta colagem de Julho surgiu na sequência de Greta Thunberg ter vencido o Prémio Gulbenkian para a Humanidade que teve este ano a sua primeira edição.

 

 

 

 

 

 

 

#12 Mafalda

13.12.20, Almerinda

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#12 Mafalda

Mafalda é talvez uma das personagens mais famosas e populares da Argentina.

O seu pai – Quino – falecido a 30 de Setembro deste ano com 88 anos, criou esta menina inconformista, insubmissa, questionadora, que não só deliciou as pessoas da minha geração, mas que continua hoje a ser lida e adorada por milhões de pessoas em todo o mundo.

Atenta ao mundo, as observações e perguntas de Mafalda desmontam a hipocrisia, os jogos e interesses instalados, a propaganda e a mentira, os tabús da sociedade. Com a simplicidade das crianças para quem não há joguinhos, os grandes temas da Paz, da Justiça, da Liberdade, da Igualdade e dos Direitos Humanos são desmontados por ela com perguntas simples mas contundentes.

Esta colagem feita em Maio, em pleno período de calamidade, trouxe à reflexão alguns temas que então eram e continuam a ser tema: a situação de abandono a que está votada a cultura; o direito das crianças a brincar, cada vez mais escasso; a dificuldade de acreditar na seriedade e na fidelidade dos seres humanos nas suas relações uns com os outros, numa frase do Padre António Vieira.

Mafalda lê atentamente o jornal. Ela gosta de política e por isso todas as secções do jornal lhe interessam, sem esquecer as páginas de economia. Para além de deixar habitualmente perplexos os pais, os amigos vão ter de se confrontar com as suas reflexões. Inesquecíveis também o Manelinho, a Susaninha, o Filipe, o Miguelito e a Liberdade.

Um ódio de estimação, inultrapassável: SOPA.

 

 

#11 Carolina Beatriz Ângelo

11.12.20, Almerinda

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#11 Carolina Beatriz Ângelo

Carolina Beatriz foi a primeira mulher portuguesa a votar nas eleições para a Assembleia Nacional Constituinte após a revolução de 5 de Outubro de 1910, tendo conseguido, ao abrigo da lei eleitoral vigente e após disputa com o poder político, a inclusão do seu nome nos cadernos eleitorais da Comissão de Recenseamento do 2º Bairro de Lisboa.

Médica, viúva e mãe, Carolina Beatriz Ângelo invocou a sua qualidade de chefe de família para exercer o voto a 28 de Maio de 1911, só possível aos cidadãos do sexo masculino. Este acto muito corajoso saiu fora das fronteiras nacionais e publicitado no estrangeiro. Infelizmente, poucos meses depois, a 3 de Outubro, Carolina Beatriz Ângelo morre subitamente de ataque cardíaco.

Em 1913, a lei eleitoral portuguesa é alterada, consagrando o direito de voto a cidadãos portugueses do sexo masculino com algumas pequenas e irrelevantes excepções para mulheres.

Em 1933 e em 1946 foram levantadas algumas restrições, mas só quase no fim de 1968, já durante o marcelismo, é que acabaram por ser removidas quaisquer discriminações. No entanto, só depois do 25 de Abril de 1974, com a lei n.º 621/74 de 15 de Novembro, o direito de voto se tornou universal em Portugal.

Os recortes da imprensa da época que noticiaram o corajoso acto de Carolina Beatriz Ângelo e que utilizei nesta minha colagem fui buscá-los ao álbum de banda desenhada do grande mestre José Ruy, "Carolina Beatriz Ângelo - Pioneira na Cirurgia e no Voto". 

# 10 As Três Marias

11.12.20, Almerinda

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#10 As Três Marias

A 23 de Maio morria Maria Velho da Costa, uma das três Marias.

Singulares, únicas, mas indissociáveis nas “Novas Cartas Portuguesas”. A PIDE e Salazar nunca conseguiram descobrir quem escreveu o quê. Um pacto de silêncio, uma escrita a seis mãos que exasperou/exaspera os ditadores, os conservadores, os castradores. Uma escrita de mulheres, de liberdade, que ajudou este país a quebrar as duras correntes do conservadorismo, denunciando a situação das mulheres, a guerra colonial, a violência, a emigração e o atraso em que vivíamos antes do 25 de Abril.

Maria De Lourdes Pintasilgo, num artigo de opinião na revista Visão, por ocasião do 8 de Março, chamou a este livro “O livro esquecido”. “Além de uma obra literária invulgar, as Novas Cartas Portuguesas foram um acontecimento único.”

Maria Isabel Barreno faleceu em 2016. Maria Velho da Costa morreu este ano, em pleno Maio confinado. Para além de Maria Teresa Horta ainda viva e que continua a surpreender-nos com a sua poesia e com a sua escrita marcadamente feminista, a obra das Três Marias é um marco de resistência e de liberdade num país atrasado e oprimido.

 

 

 

#9 Mãe

10.12.20, Almerinda

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#9 Mãe

Ela não podia deixar de aqui figurar. A maior referência da minha vida.

A grande inspiradora. Sempre e ainda hoje.

Ficou no coração de muitas pessoas que a conheceram e que continuam a falar do seu sorriso, do optimismo, de nunca achar que havia impossíveis. Aquelas mãos eram mágicas. Na costura, na cozinha, em tudo onde poisasse as mãos. Escolhi o poema de Carlos Drummond de Andrade, porque tudo o que saía daquelas mãos tinha um sabor, um toque especial. Comovente encontrar aquele cartão que acompanhara uma prenda nalgum Natal de família, naquela caligrafia bicuda inesquecível e com um adorável “erro” ortográfico: “Senhor, quida bem da pessoa que está a ler esta mensagem.” Quem melhor do que a Gracinha para ser a pessoa a ler todos os dias aquela mensagem!?

E por fim o melro. “Hoje já vi um melro. O dia vai-me correr bem”.

Colagem feita no Dia da Mãe.

#8 Anne Frank

09.12.20, Almerinda

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#8 Anne Frank

Anne Frank uma adolescente judia, escondida com mais oito pessoas num anexo, precisava de respirar, de dar vazão à sua necessidade de liberdade. Durante dois anos, confinada entre Junho de 1942 e Agosto de 1944 escreveu um diário, como se escrevesse a uma amiga – Kitty. “Espero que te possa confiar tudo a ti; o que, até agora, nunca pude fazer a ninguém, e espero que venhas a ser um grande amparo para mim.”

Anne Frank foi a minha primeira colagem em confinamento e sem qualquer apoio da Joana. Ela foi uma inspiração, tal como o seu diário. Quantos diários se escreveram no confinamento! Ela confinada por causa dos nazis; nós confinados por causa de um vírus. Por coincidência, andávamos a ler “Diary of a Young Girl” nas aulas de inglês da UNISSEIXAL. Tinha mesmo de tentar retratá-la numa colagem e de trazer o seu Diário para a minha composição.

Ver a rua através da janela. Ver as aves livres e conseguir ouvi-las. Na rua, silêncio e o mundo parado. Houve quem achasse que ia ficar tudo bem. Houve quem achasse que os humanos iriam aprender a respeitar os outros e a natureza.

 

 

 

#20 Florbela Espanca

08.12.20, Almerinda

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#20 Florbela Espanca

“Bela acabou de se matar. De seguida encosta a cabeça à almofada da cama. Os seus cabelos negros movem-se como as asas de um corvo a levantar voo sobre a cinza eterna de uma fotografia. Não sente que se esteja a deitar. Tem a impressão de estar a ser aconchegada pelas mãos acariciadoras de uma outra que, com o seu odor, lhe assenta sobre a alma com um manto de paz.

O gesto do seu braço a descair sobre as cobertas desprende-se de um corpo que apenas se vai perpetuar na eternidade, imobilizando-se em definitivo nos contornos de um mito. A morte veio ter com ela como uma dádiva que a protege da necessidade de ser a primeira para alguém. Agora já não precisa de ser amada nem tão pouco voltar a interpretar a personagem de uma grande poeta, a sua principal invenção. Desiste dessa busca insaciável, da sôfrega procura de uma alma gémea através dos ténues reflexos que a sua poesia deixa no amor.”

Assim começa o romance “Bela” de Ana Cristina Silva. 8 de Dezembro de 1930, no preciso dia em que faria 36 anos. “Sempre soube que a morte teria asas de condor, luzes tricolores de amanhecer, vozes de violino angelical, seios de uma mãe real. Sonhou com ela desde que nasceu e espreita-a imensamente feliz.”

Esta foi a última colagem da série 20 Mulheres em 2020. É a vigésima, mas hoje teria de ser o dia para a publicar aqui. Para além da imagem mais famosa de Florbela Espanca, escolhi 8 poemas do “Livro de Mágoas”(1919), do “Livro de Soror Saudade” (1923) e de “Charneca em Flor” (1930).

Um muito obrigada a Ana Cristina Silva por dar vida a Bela, através deste belíssimo livro.