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Lendo e escrevendo

Lendo e escrevendo

Os Armários Vazios, Maria Judite de Carvalho

30.03.19, Almerinda

Os Armários Vazios, Maria Judite de Carvalho, 1966

A reler Maria Judite Carvalho, uma escritora desvalorizada e injustamente esquecida. A sua escrita é muito límpida e retrata a sociedade portuguesa em que viveu e que bem conseguiu dissecar. Uma sociedade convencional, asfixiante, puritana e hipócrita onde é uma vergonha uma mulher engravidar sem ser no casamento. É preciso abafar os sentimentos socialmente reprováveis; é preciso calar e guardar segredo daquilo que se considera uma vergonha. Mas, ao mesmo tempo é a entrada num período de abertura e transformação dos costumes, protagonizada por Lisa, a filha de Dora Rosário. É o tempo dos Beatles e os ventos da mudança já sopram.

A escolha da epígrafe de Éluard para este romance “Os Armários Vazios” não podia ser mais ajustada: “J’ai conservé de faux trésors dans des armoires vides”. As duas mulheres, figuras centrais do romance – Manuela a narradora e a amiga Dora Rosário – confrontam-se com a realidade de terem alimentado uma vida de ilusão e de apego a falsos tesouros.

Dora abdicou da sua autonomia e realização pessoal, vivendo em função da personalidade apagada do marido que entretanto faleceu. É ainda uma mulher jovem, mas para a filha Lisa “a minha mãe é uma pessoa sem idade e sem solução”. Neste romance, aliás, surgem amiúde reflexões sobre a juventude (Lisa), ou a eterna juventude  (avó Ana), sobre o que é ser velha ou sentir-se velha, a ambiguidade entre o que é “já ser velho” ou “ainda ser novo”. E estas ideias e expressões ganham valor diverso, no caso de se falar de uma mulher ou de um homem. Aquela mulher que ainda não tem 40 anos já é velha, mas aquele homem que já passou a barreira dos 40 ainda é novo!

É um romance de mulheres, sobre mulheres: a narradora, Dora, Lisa, Ana, a tia Júlia. E dois homens: Ernesto Laje e Duarte. Independentemente das diferenças e do estatuto social dos dois, são seres emocionalmente frágeis e dependentes. Duas transcrições do romance, que sintetizam as personalidades destes dois homens: “Talvez gostasse também, embora menos, com os homens nunca se sabe. Os pobres foram feitos para ter um harém em que todas as mulheres se entendessem como Deus com os anjos, e isso foi-lhes proibido pela Santa Igreja. O que hão-de eles fazer? Acumular ou então, mais raramente, deixar uma para pegar noutra, é normal.” São palavras de Ana, mãe de Duarte a Dora, depois de lhe ter confessado que o filho pensara separar-se de Dora para ir viver com outra mulher pouco antes de adoecer. Ou Ernesto que confessa a Dora “Não sou feliz. Na verdade não sou feliz. Note que gosto muito da Manuela. A verdade é que é precisamente essa a razão por que não sou feliz e procuro aqui e além, desculpe a franqueza, um momento de exaltação.” De seguida, “Ernesto embrenhou-se numa confusa tragédia de casal sem filhos e do desgosto que tinha de não os possuir. Ele, Ernesto Laje, era um lutador, mas que gostaria de saber para quê ou para quem lutava. Assim…” Mais à frente, Manuela, a narradora conclui: “Eu julgava que o problema dele não se chamava Manuela e afinal… Arranjara maneira de eu ser o seu problema. Era infeliz por eu não ter filhos e procurava compensações lá fora. Ao mesmo tempo, porém, gostava muitíssimo de mim e não podia trocar-me por mais ninguém. Um círculo vicioso muito vicioso.”

É um romance triste, de mulheres mal amadas, mas mesmo assim lutadoras e sobreviventes. E de homens egoístas, pouco dados a ver as suas mulheres como companheiras e não apenas como instrumentos para sua auto-satisfação e continuidade.

30 de Março de 2019

Almerinda Bento

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Lembrando o Marquês...

23.03.19, Almerinda

"Quando vier a Primavera" de Alberto Caeiro.

Começou triste esta Primavera. No meio dos muitos emails que constantemente recebia do Marquês, aquele às 8 da manhã do dia do equinócio da Primavera tinha no assunto - Um Adeus - todos os sinais de uma tragédia pensada e decidida. Um arrepio que se concretizou no próprio dia.

O adeus desesperado de uma pessoa que aparentemente era forte. Somos insensíveis ou incapazes de perceber os gritos de socorro.

Descansa em paz, Marquês.

 

Marianna Sirca, Grazia Deledda

19.03.19, Almerinda

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Marianna Sirca, Grazia Deledda, 1915

Grazia Deledda, quem conhece? Depois de Selma Lagerlöf, Grazia Deledda foi a segunda mulher a receber o prémio Nobel da Literatura em 1927. Natural de Nuoro, uma terra isolada da Sardenha onde nasceu e viveu até aos 25 anos, altura em que foi viver para Cagliari, a capital. Casa em 1900, com 29 anos e vai viver para Roma até ao final dos seus dias, em 1936. No entanto, a vivência da infância e juventude na sua terra natal e a cultura e tradições sardas muito enraizadas nela são os traços da sua escrita pictórica e muito expressiva.

“Marianna Sirca” é uma das poucas obras traduzidas em português e editadas pela Sibila Publicações, de entre a muito vasta obra desta escritora. É a história de um amor impossível. Uma mulher jovem, que recebeu por herança um rico património por parte de um tio padre com quem viveu até à sua morte, apaixona-se por um homem mais novo. As diferenças de classe e de estatuto social entre os dois são a impossibilidade de concretização desse amor. Ela uma rica proprietária de terras e de rebanhos; ele um antigo criado da casa, actualmente fugido à justiça por se ter tornado bandido.

Mas Marianna, farta de ser a menina obediente, esquecida de si própria para responder às necessidades dos outros e escrava até da criada Fidela que a controla, decide responder ao chamamento do coração e recusar as convenções e o destino que a família e a sociedade esperam dela: “Marianna, faz a vontade a quem te quer bem. Obedece.”. A afirmação de que quem manda nela é ela, a firmeza das suas convicções e das suas escolhas são incompreensíveis para os outros, que não aceitam aquilo que consideram insanidade. Afinal não é por ser uma mulher solteira, rica e livre que é mais livre do que Simone, o homem por quem se apaixona e que se esconde da justiça. Como ela diz num diálogo com a criada, o que é afinal a liberdade? Será que somos verdadeiramente livres?

Os outros temas deste livro, para além do amor, da liberdade, do estatuto submisso que é esperado por parte das mulheres, são a coragem, a cobardia e a honra. As personagens não são lineares, avançam, vacilam, são verdadeiramente humanas e com contradições, mesmo quando as suas personalidades são fortes. Não são doces nem cândidas, tal como a natureza agreste onde vivem, pintada pela pena da Grazia Deledda. A neve quando cai, ou a chuva quando ensopa as roupas e o corpo têm o seu reverso quando o calor e o Sol inclementes do Verão se fazem sentir. Ao lermos conseguimos sentir a escuridão dos bosques, o som do regato que corre, a frescura da água da fonte, os sons da noite, e a presença da Lua na sua diversidade.

O casamento que nenhum padre se prestou a celebrar tem a sua expressão final e muito visual no ritual da morte de Simone. A despedida da mãe, a presença do padre que lhe dá a extrema unção, a deposição do anel de diamante que havia sido roubado no dedo de Marianna para ser devolvido a Nossa Senhora dos Milagres. Um quadro muito forte em que sobressai a cor do sangue nos lençóis que enfaixam Simone, o sofrimento do ferido de morte e a dor das duas mulheres que mais o amaram e que são impotentes para o salvar. E em tudo isto uma profunda religiosidade a envolver a cena da morte.

Sendo um livro muito datado há, no entanto, nos sentimentos e reacções das personagens uma actualidade intemporal que corresponde à condição humana. Não foi certamente por acaso que o membro da academia sueca que atribuiu em 1927 o prémio Nobel da Literatura a Grazia Deledda, referiu que na sua obra “todos os caminhos conduzem ao coração humano”.

Em boa hora Sibila Publicações se lembrou de editar esta escritora sarda tão pouco divulgada e conhecida entre nós.

16 Março 2019

 

Bruno e Ângela

18.03.19, Almerinda

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Ontem fui a uma festa muito especial. Uma festa em que o AMOR foi o mote.

Genuíno e tão lindo este dia em que o Bruno e a Ângela quiseram acrescentar mais um dia ao amor que os une há uma série de anos. Formalizaram mas a linha que separa o formal do informal é tão inexistente, que foi mais um dia de amor em que quiseram estar com a família alargada, com os amigos e amigas, os camaradas e as camaradas, todos aqueles e aquelas que quiseram testemunhar o brilho nos olhos, os abraços que sabemos serem os traços da relação entre a Ângela e o Bruno.

Escolheram o melhor sítio. Uma quinta com uma Bela Vista para lhe dar o nome.

Escolheram a melhor cozinheira, a melhor florista, a melhor DJ e as melhores pessoas da equipa que preparou tudo ao pormenor. Com tanta beleza, simplicidade, amor.

Casamentos destes gosto. Não têm o jeito daqueles casamentos fast wedding que se escolhem por catálogo e que se pagam em prestações com cheques pré-datados.

Adorei ter sido convidada, Bruno e Ângela. Obrigada.

Recebam toda a minha amizade e amor. Cá estamos para todas os dias dos nossos caminhos que se cruzam e se reforçam nas lutas das nossas vidas.

Almerinda

 

 

 

Marielle, nome de Mulher!

14.03.19, Almerinda

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Marielle, nome de Mulher!

Marielle!
Faz hoje um ano que ela foi assassinada. Barbaramente! Será que podia haver outro advérbio para falar desse acto bárbaro, quando parece que estamos anestesiados com a violência diária, a nível mundial que se vira maioritariamente contra as mulheres? Por isso, violência de género, assumindo formas e matizes tão diversos, mas dirigida às mulheres, desde as meninas até às mulheres de idade. De todas as classes. De todas as idades. De todas as culturas. De todas as cores.

Marielle assassinada com quatro tiros na cabeça. Um ano depois, ainda não se sabe quem a matou… sabe-se que ela Marielle, como muitas outras Marielles, activistas em todo o mundo contra a injustiça e a desigualdade, contra a pobreza e a exclusão, que dedicaram as suas vidas a lutar por um mundo melhor, são o alvo do poder patriarcal, são o alvo das ditaduras que não toleram democracia, igualdade, justiça social. Marielle sintetizava essa energia transformadora e libertadora do seu povo das favelas, do povo explorado, excluído, discriminado.

Orgulhosamente feminista, favelada, lésbica, política.

 

Luto Nacional pelas Mulheres Assassinadas

08.03.19, Almerinda

4º dia

 

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Hoje, dia de Luto Nacional pelas mulheres assassinadas, não podia ser outra se não esta imagem. Uma barbárie que parece está a ser potenciada pela CMTV e pelo CM.

Assustador.

À noite, no S. Jorge com lotação esgotada, o filme da Raquel Freire Mulheres do Meu País, um painel de mulheres deste país, mulheres diversas, mulheres fortes, mulheres que se emocionam e choram com saudades da terra, filhas que se emocionam quando falam da mãe que foi mãe e pai e tudo fez para sustentar sozinha os/as filhos, mulheres que não tiveram medo de se afirmar num mundo de homens, mulheres que só querem ser reconhecidas como cidadãs com direitos, mulheres que continuam a lutar contra a discriminação.

A enorme sensibilidade da Raquel Freire num documentário belíssimo inspirado no livro "As Mulheres do Meu País" da Maria Lamas.

 

Sou contra a Violência de Género

06.03.19, Almerinda

3º dia

No 3º dia do desafio que lancei na semana do 8 de Março, volto ao tema da violência de género, um conceito muito lato e que engloba as mais diversas formas de violência exercidas sobre as meninas e mulheres em todo o mundo: o femicídio, os casamentos forçados, a mutilação genital feminina, a lesbofobia, mas também as formas mais subtis de violência psicológica como a humilhação, a discriminação, o desrespeito pela individualidade de cada mulher. É por tudo isto que eu sou feminista.

 

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Não pactuo com agressores

05.03.19, Almerinda

Este é o 2º dia do desafio que lancei sobre a semana do 8 de Março. Hoje não quero deixar de lembrar a violência de género e o facto de que muitos femicídios podiam ser evitados se a sociedade estivesse mobilizada, a justiça fosse célere e atenta e não houvesse Netos de Moura aliados dos agressores e do patriarcado.

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Este é o 2º dia do desafio que lancei sobre a semana do 8 de Março. Hoje não quero deixar de lembrar a violência de género e o facto de que muitos femicídios podiam ser evitados se a sociedade estivesse mobilizada, a justiça fosse célere e atenta e não houvesse Netos de Moura aliados dos agressores e do patriarcado.

Até amanhã. Hoje é 3ª feira de Carnaval e chove.

 

Orgulho em ser Feminista

04.03.19, Almerinda

8 de Março

Inicia-se hoje a semana do 8 de Março.

Este ano tem sido fértil em notícias em que o tema é mulheres e por isso, para quem detesta falar sobre mulheres para dizer que elas já têm tudo, o que querem mais?, ou para quê um dia internacional da mulher, blá, blá, blá... tem sido terrível para eles.

Terrível sim, 11 mulheres e uma menina mortas em pouco mais de mês e meio. E se houve tanto bruá, programas de televisão, páginas de jornais, entrevistas na rádio, tanto clamor e indignação, isso deveu-se mais ao facto de o agressor da Cruz de Pau ter matado a filha depois de ter assassinado a sogra. Se a criança não tivesse sido morta, a sociedade assumia com a naturalidade habitual que 11 energúmenos a que se chama "homens" matem as suas mulheres, namoradas ou familiares. Um verdadeiro massacre institucionalizado.

Terrível haver um juiz que é famoso pelos seus acórdãos em que além de invocar a Bíblia para desculpabilizar os agressores, humilha e agride as vítimas culpabilizando-as e virando a justiça de pernas para o ar. Joaquim Neto de Moura é o seu nome. Não contente com os seus julgamentos, iniciou uma cruzada persecutória contra tudo e todos/as que de alguma forma lhe chamaram os nomes que ele merece, que ele estava a pedir. Vai tudo a eito. Processá-los, pois claro e ao que parece o advogado que escolheu é do mesmo quilate e o presidente da associação "sindical" também. Mais, o senhor doutor juíz não vai pagar as custas do tribunal porque, como juíz, está isento! Cada tiro, cada melro! Cada cavadela, sua minhoca.

Irra.

Fora estas más notícias, uma investigadora espanhola fez um estudo encomendado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos sobre "As Mulheres em Portugal, hoje - Quem são, o que pensam e como se sentem".

fundação.pngEntão, esta semana comecei hoje, 2ª feira, dia 4, a publicar na minha página de FB uma fotografia de Almerinda Feminista, apelando aos amigos e amigas feministas que sigam o meu exemplo. Penso que acharam graça mas não praticaram. Pode ser que amanhã ou lá mais para o fim da semana sigam o meu exemplo. Era giro. Fui buscar a ideia a uma publicação com 6 anos da Michele Spieler em que ela dizia

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